RESUMO: Contexto A literatura médica pode fornecer provas acerca do que devem ser os cuidados de saúde de elevada qualidade. Porém, há um hiato entre os resultados da investigação e a sua aplicação regular na prática clínica. Os médicos nem sempre actuam de acordo com o que estaria de acordo com as melhores provas científicas, mas procurar cuidados de alta qualidade e elevado valor é importante, pois é benéfico para os doentes. As orientações clínicas procuram ajudar os clínicos nesta tarefa, fornecendo resumos com apreciação crítica do melhor conhecimento médico actual e recomendações sobre como os clínicos devem proceder. Porém, os médicos frequentemente falham no cumprimento das recomendações destas orientações. A prescrição médica não é só determinada por conhecimento, competência, relações benefício-risco e custo-efectividade. Outros factores como valores pessoais, crenças, atitudes e experiências, organização dos serviços de saúde, a disponibilidade de informação, características e pedidos dos doentes, interacções entre pares, técnicas de vendas, reciprocidade, autoridade, validação social e relações pessoais são também decisivos. Em certa medida, os médicos de cuidados primários podem ser influenciados por especialistas a prescrever medicamentos que de outro modo não escolheriam. Muitas intervenções têm sido estudadas com o propósito de melhorar a prática clínica. A maioria das intervenções mostra efeitos pequenos a moderados na melhoria da prescrição. Contudo, há heterogeneidade significativa nos resultados, o que provavelmente reflecte falta de padronização e a interferência de factores específicos do contexto. Duas intervenções específicas são as visitas de divulgação educacional, com o objectivo de mudar o comportamento dos profissionais de saúde através da apresentação de conteúdos educacionais em visitas cara-a-cara; e medidas de minimização de risco por parte das autoridades reguladoras, que procuram melhorar o equilíbrio benefício-risco dos medicamentos depois de terem sido aprovados. O objectivo geral desta tese é contribuir para a compreensão de como os médicos de cuidados primários decidem prescrever tratamentos com medicamentos e como podem ser influenciados. Os objectivos específicos são descrever como os médicos iniciam o tratamento da hipertensão arterial e da diabetes tipo 2 e se há diferenças entre médicos de família e outros especialistas; avaliar o efeito de acções regulatórias pela Agência Europeia de Medicamentos para restringir a utilização de trimetazidina e nimesulida; e determinar a eficácia e custo-efectividade de visitas de divulgação educacional para melhorar o cumprimento de recomendações em orientações clínicas.Métodos Esta tese contém sete manuscritos, divididos em três partes. Os primeiros dois estudos foram estudos transversais aninhados em coorte, realizados dentro da Rede Portuguesa de Médicos Sentinela. Os médicos de família notificaram casos incidentes de hipertensão arterial e diabetes tipo 2, descrevendo o tratamento, quem tinha feito a prescrição inicial e se tinham alterado o tratamento iniciado por outros médicos. O segundo grupo contém duas análises interrompidas de séries temporais de registos de comparticipação de medicamentos em ambulatório do Serviço Nacional de Saúde Português. Foram medidos os efeitos das medidas de minimização de risco da Agência Europeia de Medicamentos sobre a prescrição de trimetazidina e nimesulida. As acções regulatórias foram identificadas pesquisando as páginas da internet da Agência Europeia de Medicamentos, da Autoridade Portuguesa do Medicamento e da Comissão Europeia. Foram também identificados factores de confundimento no mesmo período. Foram construídos modelos de regressão segmentada para avaliar os efeitos na dispensa de trimetazidina e nimesulida, tanto a nível global como para médicos nos cuidados primários do Serviço Nacional de Saúde, nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde e em outros locais. Para a nimesulida, foram também medidas as reacções adversas ao medicamento. O terceiro grupo contém um ensaio clínico aleatorizado paralelo, aberto, de superioridade, dirigido a médicos de cuidados primários. Os médicos foram recrutados em grupos (clusters) de unidades de cuidados primários e alocados aleatoriamente para receber visitas de divulgação educacional no seu local de trabalho ou a disseminação habitual das orientações clínicas. Os resultados primários foram a proporção de inibidores da ciclo-oxigenase-2 (COX-2) prescrita dentro da classe dos anti-inflamatórios (AINE) e a proporção de omeprazol na classe dos inibidores da bomba de protões aos 18 meses após a intervenção. Os resultados secundários foram a proporção de inibidores da COX-2 dentro da classe dos AINEs a um e seis meses; a proporção de omeprazol na classe dos inibidores da bomba de protões a um e seis meses; e o número de doses diárias definidas de clopidogrel prescritas por 1.000 utentes a 1, 6 e 18 meses. Os dados de prescrição foram recolhidos da base de dados regional de comparticipação. Os custos também foram medidos para realizar uma análise de custo-benefício. O ensaio também foi sujeito a uma avaliação de processo recolhendo dados sobre o recrutamento de médicos e visitantes, registo de um questionário pós-visita, condução de um grupo focal com visitantes, realização de entrevistas a médicos participantes e envio de um questionário para os médicos no grupo de intervenção. Resultados Os estudos sobre o tratamento inicial da hipertensão e diabetes mostraram que os médicos de família fizeram a maioria dos diagnósticos e que havia um elevado cumprimento das recomendações das orientações clínicas em ambas as patologias. Os inibidores da enzima de conversão da angiotensina foram os medicamentos mais usados para iniciar tratamento anti-hipertensor e a metformina foi a mais utilizada na diabetes tipo 2. Algumas diferenças foram observadas entre médicos de família e outros médicos, com os primeiros a prescrever menos beta-bloqueantes e diuréticos de ansa na hipertensão e menos inibidores da dipeptidil peptidase-4 e insulina na diabetes tipo 2. Em ambos os casos, as prescrições iniciadas por outros especialistas raramente foram alteradas pelos médicos de família. Os estudos sobre a trimetazidina e a nimesulida mostraram diminuições significativas no uso destes medicamentos associadas a intervenções complexas consistindo de medidas regulatórias de minimização de risco e outros factores concorrentes. Contudo, nem todas as acções das autoridades reguladoras levaram a alterações no uso dos medicamentos e factores concorrentes como a cobertura pelos media podem ter desempenhado um papel importante. Os médicos de família foram mais cumpridores das recomendações para restringir a utilização de nimesulida que os médicos dos hospitais ou em actividade privada, enquanto que para a trimetazidina foram menos cumpridores (depois de ajustamento para diferenças na quota de mercado global). Não existiram alterações nos efeitos clínicos adversos para a nimesulida. O ensaio aleatorizado e controlado das visitas de divulgação educacional foi implementado com sucesso, as visitas decorreram como planeado e foram aceitáveis para os médicos participantes. Contudo, a intervenção não foi efectiva para melhorar os resultados primários ou secundários ou reduzir custos. Conclusões Os dois estudos na Rede de Médicos Sentinela mostraram que os médicos maioritariamente seguem as recomendações, mas que existem algumas diferenças entre médicos de família e outros especialistas nos medicamentos escolhidos como tratamento de primeira-linha. Os médicos de família geralmente mantiveram as prescrições iniciadas por outros, indicando que é provável que ocorra indução da prescrição. As medidas regulatórias de minimização de risco foram eficazes na redução do uso de medicamentos, mas não houve redução nos efeitos adversos reportados para a nimesulida. As visitas de divulgação educacional foram implementadas com razoável alcance, dose elevada e fidelidade e aceitabilidade muito elevadas. Porém, a intervenção não foi bem-sucedida para melhorar o cumprimento das recomendações de orientações clínicas ou para reduzir custos. Tentar mudar o comportamento de prescrição de um médico é complexo e dependente de muitos factores que podem influenciar significativamente o resultado de uma intervenção. ABSTRACT: Background Medical science can provide evidence on what high quality care should look like. However, there is a gap between research findings and routine clinical practice. Physicians do not always act like what the best scientific evidence would recommend, but aiming for high-quality, high-value care is important as it benefits patients. Clinical practice guidelines aim to assist clinicians in this task by providing critically appraised summaries of the best current medical knowledge and recommending how to proceed. However, often, clinicians will fail to follow guideline recommendations. Medical prescribing is not only determined by knowledge, competence, benefit-risk and cost-effectiveness. Other factors such as personal values, beliefs, attitudes and experiences, health services organization, the availability of information, patient characteristics and requests, peer interactions, marketing techniques, reciprocity, authority, social validation and personal relationships are also decisive. To some extent, primary care physicians may be influenced by specialists to prescribe drugs they would have otherwise not choose. Many interventions have been studied with the purpose of improving clinical practice. Most interventions show small to moderate effects on prescription improvement. However, there is considerable heterogeneity in results, which probably reflects lack of standardization and the interference of setting specific factors. Two specific interventions are educational outreach visits, aimed at changing healthcare professionals’ behavior by delivering educational content in face-to-face visits; and regulation authorities’ risk minimization measures, meant to improve the benefit-risk balance of drugs after they have been approved. The general aim of this thesis is to contribute to the understanding of how primary care physicians decide to prescribe drug treatments and how they can be influenced. Specific objectives are to describe how physicians initiate treatment in hypertension and type 2 diabetes and if there are differences between family physicians and other specialists; to assess the effect of regulatory actions taken by the European Medicines Agency to restrict the utilization of trimetazidine and nimesulide; and to determine the efficacy and cost-effectiveness of educational outreach visits to improve compliance with guideline recommendations. Methods The thesis contains seven research manuscripts, divided in three parts. The first two studies were cohort-nested cross-sectional studies done within the Portuguese Sentinel Practice Network. Family physicians notified incident cases of arterial hypertension and type 2 diabetes, reporting treatment, who made the initial prescription and if they had changed treatments initiated by other physicians. pharmacy reimbursement records for the Portuguese National Health Service. Effects of the European Medicines Agency risk minimization measures on prescription of trimetazidine and nimesulide were measured. Regulatory actions were identified by searching the European Medicines Agency, Portuguese Medicines Authority and European Commission’s websites. Confounding factors in the same period were also identified. Segmented regression models were built assessing the effects on dispensing of trimetazidine and nimesulide, both globally and for physicians in National Health Service primary care, National Health Service hospitals and other settings. For nimesulide, adverse drug reactions were also measured. The third group contains a parallel, open, superiority, randomized trial directed to primary care physicians. Physicians were recruited in clusters of primary care practices and randomly allocated to receive educational outreach visits at their workplace or usual guideline dissemination. Primary outcomes were the proportion of cyclooxygenase-2 (COX-2) inhibitors prescribed in the anti-inflammatory (NSAID) class, and the proportion of omeprazole in the proton pump inhibitors class at 18 months post-intervention. Secondary outcomes were the proportion of COX-2 inhibitors within the NSAID class at one and six months; the proportion of omeprazole within the proton pump inhibitors class at one and six months; and the number of defined daily doses of clopidogrel prescribed per 1,000 registered patients at 1, 6 and 18 months. Prescription data was collected from the regional pharmacy claims database. Costs were also measured to perform a cost-benefit analysis. The trial was also subjected to a process evaluation by gathering data on recruitment of physicians and detailers, recording a post-visit questionnaire, conducting a focus group with detailers, interviewing participating physicians and send a questionnaire to physicians in the intervention arm. Results The studies on initial treatment for hypertension and diabetes showed that family physicians made the majority of diagnosis and there was very high compliance with guideline recommendations in both conditions. Angiotensin converting enzyme inhibitors were the most used drugs to initiate anti-hypertensive treatment and metformin was most used for type 2 diabetes. Some differences were observed between family physicians and other doctors, with the former prescribing less beta-blockers and loop diuretics in hypertension and less dipeptidyl peptidase-4 inhibitors and insulin in type 2 diabetes. In both cases, prescriptions initiated by other specialists were rarely altered by family physicians. The studies on trimetazidine and nimesulide showed significant decreases in use of these drugs associated with complex interventions consisting of regulatory risk minimization measures and other concurrent factors. However, not all actions by regulatory authorities led to changes in drug use and concurrent factors such as media coverage may have played an important role. Family physicians were more compliant with recommendations to restrict nimesulide use than hospital or private based physicians, while for trimetazidine they were less compliant (after adjusting for differences in global market share). There were no changes in clinical adverse events for nimesulide. The randomized controlled trial of educational outreach visits was successfully implemented, visits occurred as planned, and were acceptable to participating physicians. Yet, the intervention was not effective in improving primary or secondary outcomes or reducing costs. Conclusions The two studies in the Portuguese Sentinel Practice Network showed that physicians mostly follow recommended guidelines, but there are some differences between family physicians and other specialists in the drugs chosen for first-line treatment. Family physicians usually kept prescriptions initiated by others, indicating that prescription induction is likely to occur. Regulatory risk minimization measures were effective in reducing drug use, but there was no decrease in reported adverse drug reactions to nimesulide. The educational outreach visits trial was implemented with reasonable reach, high dose and very high fidelity and acceptability. Yet the intervention was unsuccessful in improving compliance with guideline recommendations or reducing costs. Trying to change a physician’s prescribing behavior is complex and dependent on many factors that can significantly influence the result of an intervention.