Resumo Importar-se com os outros e cuidar dos outros - sejam outras pessoas, coletividades, plantas, animais ou o clima - é um ato cotidiano e recorrente. Em algum momento da vida, quase todos os seres humanos precisam ser cuidados, são cuidados e, por fim, cuidam. Na antropologia, a noção crítica de cuidado constitui uma ferramenta analítica para considerar seriamente as contingências da vida e para compreender os modos como as pessoas atribuem sentido a diferentes tipos de atos, atitudes e valores. Este artigo argumenta que a dimensão normativa do conceito é parte de um binarismo cultural que hierarquiza o mundo de acordo com esferas da existência às quais são atribuídos valores distintos. Concentrando-se nesta normatividade como algo intrínseco à noção, o artigo estabelece uma distinção entre três campos empíricos complementares: o cuidado como reprodução social (globalizada), o cuidado como assimetria institucionalizada, e o cuidado para além do excepcionalismo humano. Fica claro que o cuidado oscila entre duas perspectivas distintas, produzindo uma tensão específica: por um lado, o conceito de cuidado apresenta uma dimensão protetora e conservadora ligada ao passado, por outro, incorpora uma dimensão transformativa por meio de suas noções de desenvolvimento, progresso e aprimoramento. Para ir além de nossa própria concepção (potencial ou inevitavelmente) acadêmica, eurocêntrica ou humanocêntrica da noção de cuidado, este ensaio sugere levar “o cuidado além do reparo”: podemos fazê-lo, em primeiro lugar, indagando qual é o papel da pesquisa nesta ética da diferenciação e, em seguida, identificando perspectivas e posicionalidades as quais, à primeira vista, parecem indistintas ou desarticuladas e, por isso, desafiam categorias já familiares de avaliação e distinção. Encarado desta maneira, o cuidado além do reparo nos chama a atenção para o fazer e o desfazer da existência humana. Abstract To care about and for others - i.e. other people, collectivities, plants, animals or the climate - is a mundane and ubiquitous act. At some point in life, almost every human being needs to be cared for, encounters care and, eventually, provides care. In anthropology, the critical notion of care provides an analytic tool for seriously considering life’s contingencies and for understanding the ways people ascribe meaning to different kind of acts, attitudes and values. This chapter argues that the concept’s normative dimension forms part of a cultural binarism that hierarchizes the world according to differently valued spheres of existence. Concentrating on this normativity as inherent to the notion, the chapter distinguishes three complementary empirical fields: care as (globalized) social reproduction, care as institutionalized asymmetry and care beyond human exceptionalism. It becomes clear that care oscillates between two different perspectives, producing a particular tension: on the one hand, the care concept features a protective and conservative dimension that is congruent with the past; on the other hand, the concept incorporates a transformational dimension through its notions of development, progress and improvement. To move beyond our own (potentially or inevitably) academic, Eurocentric or human-centric understanding of the notion, this article suggests moving ‘care beyond repair’. We can do so, first, by asking what role research plays in this differentiating ethics and, second, by identifying perspectives and positionalities that, at first glance, appear indistinct or inarticulate, and hence do not confirm already familiar categories of evaluation and distinction. Seen this way, care beyond repair draws attention to the making and unmaking of human existence. Resumen Importarse con los otros y cuidar a los otros -es decir, a otras personas, colectividades, plantas, animales o al clima- es un acto cotidiano y recurrente. En algún momento de la vida, casi todos los seres humanos necesitan ser cuidados, encuentran cuidados y, finalmente, cuidan. En la antropología, la noción crítica de cuidado constituye una herramienta analítica para considerar seriamente las contingencias de la vida y para comprender las formas en que las personas atribuyen significado a diferentes tipos de actos, actitudes y valores. En este artículo se argumenta que la dimensión normativa del concepto forma parte de un binarismo cultural que jerarquiza el mundo de acuerdo con esferas de existencia valoradas de forma diferente. Concentrándose en esta normatividad como inherente a la noción del concepto, el texto distingue tres campos empíricos complementarios: el cuidado como reproducción social (globalizada), el cuidado como asimetría institucionalizada y el cuidado más allá del excepcionalismo humano. Queda claro que el cuidado oscila entre dos perspectivas diferentes, produciendo una tensión particular: por un lado, el concepto de cuidado representa una dimensión protectora y conservadora ligada all pasado. Por otro lado, incorpora una dimensión transformadora a través de sus nociones de desarrollo, progreso y mejora. Para ir más allá de nuestra propia comprensión (potencial o inevitablemente) académica, eurocéntrica o humanocéntrica de la noción de cuidado, este ensayo sugiere entender “el cuidado más allá de la reparación”: Podemos hacerlo, en primer lugar, preguntando qué papel desempeña la investigación en esta ética de la diferenciación y, en segundo lugar, identificando perspectivas y posicionamientos que, a primera vista, parecen indistintos o inarticulados y, por tanto, desafían las categorías ya familiares de evaluación y distinción . Visto de este modo, “el cuidado más allá de la reparación” llama la atención sobre el hacer y deshacer de la existencia humana.