Tese de doutoramento em Ciências da Saúde (Pré-Bolonha), Ramo de Ciências Biomédicas apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra A ciclosporina A (CsA) é um agente imunossupressor pertencente ao grupo dos inibidores da calcineurina que revolucionou a transplantação de órgão devido à grande capacidade para prevenir a rejeição do enxerto, continuando a ser fundamental na terapêutica imunossupressora. Porém, a sua utilização clínica está associada ao desenvolvimento de efeitos secundários graves, incluindo a nefrotoxicidade, que parece ser dependente da duração da exposição ao fármaco. As estratégias de minimização de efeitos adversos baseiam-se sobretudo na redução da dose e na conversão para outros fármacos aparentemente menos nefrotóxicos, como o sirolimus (SRL), um inibidor do alvo da rapamicina em mamíferos (mTOR). Neste trabalho pretendeu-se estudar alguns aspectos-chave que permanecem por elucidar: (1) os mecanismos moleculares e os biomarcadores subjacentes à transição de disfunção renal induzida pela CsA para nefrotoxicidade e (2) o impacto renal de dois protocolos de conversão de CsA para SRL, baseando a avaliação em marcadores séricos, urinários e em tecido renal. Para tal, foram desenhados protocolos experimentais (em rato wistar) de 3, 6 e 9 semanas de duração, incluindo grupos tratados com concentrações clinicamente relevantes de CsA e de SRL, comparativamente a ratos controlo (veículo), em esquemas de tratamento que incluíam grupos de CsA e de SRL, e grupos de conversão de CsA para SRL, um deles efectuado após redução inicial da dose de CsA. Foram analisados os seguintes parâmetros: pressão arterial e frequência cardíaca; dados bioquímicos séricos e urinários, incluindo níveis de creatinina e ureia, suas depurações e taxa de filtração glomerular (TFG); peroxidação lipídica no rim e respectiva depuração; marcadores clássicos e emergentes de função/lesão renal em soro, urina e em tecido renal (genes e proteínas, por RT-qPCR e imunohistoquímica, respectivamente). As lesões renais foram avaliadas através de colorações de hematoxilina e eosina, ácido periódico de Schiff e tricrómio de Masson. No tratamento de curto prazo com CsA, os níveis de creatinina e ureia aumentaram e a depuração diminuiu, acompanhados por uma redução da TFG. Apesar de somente causar lesões renais ligeiras ou insignificantes em algumas das estruturas, induziu um aumento da expressão de ARNm de PCNA, TGF-β, NF-κβ e p53 no tecido renal. No tratamento de longo prazo, os dados de disfunção renal foram acompanhados por lesões glomerulares e tubulointersticiais, com notável aumento da expressão génica renal de mTOR e MKi-67 e sobre-expressão da proteína mTOR. Para além disso, os níveis de TGF-β e IL-7 no soro aumentaram, assim como a depuração de MDA, e verificou-se uma expressão proteica aumentada de TGF-β e mTOR no tecido renal. Os ratos tratados com SRL apresentaram proteinúria e aumento de NGAL (no soro e na urina) como os melhores marcadores de impacto (“toxicidade”) renal. No protocolo que testou a redução da dose de CsA seguida de conversão para SRL, após as primeiras 3 semanas de CsA (dose mais elevada, 30 mg/kg peso/dia), os animais apresentaram perda de peso, hipertensão, taquicardia, aumento dos níveis séricos de colesterol não-HDL, glicose, triglicerídeos, creatinina e ureia, acompanhados por redução da TFG e do conteúdo sérico de insulina. Adicionalmente, verificou-se um aumento da expressão renal de CTGF, Kim-1, mTOR, NF-κβ e TGF-β1, acompanhado por amplo dano renal, incluindo arterioesclerose, hiperemia, esclerose nodular, hialinização do pólo vascular e espessamento da cápsula de Bowman, para além de calcificação tubular, formação de cilindros hialinos e desenvolvimento de fibrose intersticial. Três semanas após a redução da dose de CsA para 5mg/kg peso/dia, os resultados indicaram uma melhoria da função renal e das lesões vasculares e glomerulares, mas sem desagravamento significativo das alterações tubulointersticiais. Durante as últimas 3 semanas, com a conversão para SRL (1 mg/kg peso/dia), apesar da hiperglicemia, hipertrigliceridemia e aumento do conteúdo sérico e urinário de NGAL, o dano renal promovido pela CsA foi substancialmente melhorado, como constatado através dos resultados de marcadores em soro e urina, mas em particular devido à redução da expressão proteica renal de CTGF, mTOR, NF-κβ, TGF-β1 e PCNA. Em conclusão, a transição de disfunção renal induzida pela CsA para nefrotoxicidade é acompanhada por uma modificação de mecanismos moleculares e de biomarcadores, sendo o mTOR uma proteína-chave para a evolução da lesão renal. A conversão para SRL impede a evolução do dano renal induzida pela CsA, podendo o impacto renal desta substituição ser acompanhado pelos níveis de NGAL em soro e urina, que parece ser um biomarcador interessante para monitorizar a conversão. Finalmente, a nefrotoxicidade induzida pela CsA é muito dependente da dose e do tempo de exposição, sendo a redução da dose de CsA e subsequente conversão para SRL, se realizada antes de lesões graves, notoriamente importantes na preservação da função e da estrutura renal. Cyclosporin A (CsA) is an immunosuppressive agent that belongs to calcineurin inhibitors (CNIs) group, and revolutionized organ transplant due to the great ability to prevent graft rejection; CNIs remain the cornstone of immunosuppressive therapy. However, the clinical use of CsA is associated with the development of serious side-effects, including nephrotoxicity, which seems to depend on the duration of drug exposure. Strategies to minimize the adverse effects are mainly based on dose reduction and conversion to other seemingly less nephrotoxic drugs, such as sirolimus (SRL), an inhibitor of mammalian target of rapamycin (mTOR). In this work we intended to study some key aspects that remain to be elucidated: (1) the molecular mechanisms and biomarkers underlying the transition from renal dysfunction induced by CsA to nephrotoxicity and (2) the renal impact of two protocols of conversion from CsA to SRL, focusing on serum, urinary and renal tissue markers. Experimental protocols were designed (Wistar rats) with 3,6 and 9 weeks duration, including groups treated with clinically relevant concentrations of CsA and SRL, compared with control rats (vehicle), in treatment regimens that included groups of CsA, SRL and conversion from CsA to SRL, one of them made after previous CsA dose reduction. The following parameters were analyzed: blood pressure and heart rate; serum and urinary biochemical data, including creatinine and urea clearances and glomerular filtration rate (GFR); kidney lipid peroxidation and its clearance; classical and emerging biomarkers of kidney function were accessed in serum, urine and renal tissue (genes and proteins by RT-qPCR and immunohistochemistry, respectively). Renal lesions were evaluated by hematoxylin & eosin, periodic acid-Schiff and Masson's trichrome staining. In the short-term treatment with CsA, the levels of urea and creatinine increased and their clearances decreased, accompanied by reduction of GFR. Although only slight (or insignificant) renal lesions in some kidney structures were found in the CsA-treated rats, increased mRNA expression of PCNA, TGF-β, Tp53 and NF-κβ in renal tissue was found. In the long-term CsA treatment, the data of renal dysfunction were accompanied by glomerular and tubulointerstitial lesions, with remarkable increase in renal gene expression of mTOR and MKi-67, together with overexpression of mTOR protein. In addition, serum TGF-β and IL-7 levels increased, as well as MDA clearance, and there was an augmented content of TGF-β and mTOR protein expression in the renal tissue. Rats treated with SRL in the long-term treatment presented proteinuria and increased NGAL (in serum and urine) as the best markers of kidney impact ("toxicity"). In the protocol designed to test CsA dose reduction followed by conversion to SRL, after the first 3 weeks of CsA highest dose (30 mg/kg/day) treatment, the animals presented weight loss, hypertension, tachycardia, increased serum levels of non-HDL cholesterol, glucose, triglycerides, creatinine and urea, as well as reduction of GFR and serum insulin contents. Additionally, there was an increased renal expression of CTGF, Kim-1, mTOR, NF-κβ and TGF-β, accompanied by extensive kidney damage, including arteriosclerosis, hyperemia, nodular sclerosis, vascular pole hyalinization and thickening of the Bowman capsule, in addition to tubular calcification, formation of hyaline cylinders and development of interstitial fibrosis. Three weeks after dose reduction of CsA to 5 mg/kg/day, the results indicated an improvement in renal function and vascular and glomerular lesions, but without significant amelioration of tubulointerstitial damage. During the last 3 weeks, after conversion to SRL (1 mg/kg/day), despite hyperglycemia, hypertriglyceridemia and increased serum and urinary NGAL contents, renal damage promoted by the two CsA doses was substantially improved, as confirmed by the results of serum and urine markers, in particular by the reduction in renal protein expression of CTGF, mTOR, NF-κβ, TGF-β and PCNA. To conclude, the transition from renal dysfunction induced by CsA to nephrotoxicity is accompanied by modification of molecular mechanisms and biomarkers, being mTOR a key protein for development of renal injury. The conversion to SRL prevents the development of renal damage induced by CsA and this effect might be better accompanied by serum and urine NGAL levels, which seems to be an interesting biomarker to monitor the conversion protocol. Finally, CsA-induced nephrotoxicity is notoriously dependent on dose and duration of exposure, being CsA dose reduction and subsequent conversion to SRL, if performed before notoriously damage, important measures to preserve renal function and prevent nephrotoxicity.