Dissertação de Mestrado em Segurança Alimentar As biotoxinas marinhas mais frequentes e abundantes em Portugal são as toxinas lipofílicas, nomeadamente as toxinas do grupo do ácido ocadaico (AO), que inclui as dinofisistoxinas (DTX1 e DTX2) e os seus derivados (DTX3), responsáveis pela intoxicação diarreica (DSP diarrhetic shellfish poisoning). A investigação da presença, variabilidade e transformação de biotoxinas marinhas em moluscos bivalves é de elevada importância não só para os consumidores e produtores de moluscos bivalves, mas também para as entidades reguladoras em segurança alimentar. Até à data, a quantidade de toxinas ingeridas nos alimentos tem sido considerada igual à quantidade de toxinas disponível para a absorção pelo corpo humano após o processo digestivo. Neste estudo, avaliou-se através de um modelo de digestão in vitro estático, a fração de AO, DTX2 e das suas formas esterificadas (DTX3), libertada do alimento para os fluidos digestivos (bioacessibilidade) em amostras naturalmente contaminadas de mexilhão, berbigão, conquilha e lingueirão. As amostras de mexilhão e conquilha apresentam regularmente um perfil de toxinas composto por AO e DTX2 nas suas formas livres, enquanto que o berbigão e o lingueirão têm uma elevada capacidade de biotransformação, o que conduz a que o seu perfil de toxinas seja constituído maioritariamente por formas esterificadas (DTX3). Amostras colhidas na costa Portuguesa foram utilizadas para avaliar a bioacessibilidade destes compostos, quer na matriz crua, como após cozedura a vapor. A Bioacessibilidade do conteúdo total de toxinas variou entre as espécies analisadas. A maior percentagem de toxinas bioacessiveis foi encontrada no mexilhão (86 ± 4 %), seguido da conquilha (74 ± 10 %), do lingueirão (71 ± 10 %) e, por último, do berbigão (59 ± 10 %). As toxinas que não se libertaram da matriz alimentar foram detetadas na fração nãobioacessivel, correspondente à fração excretada. Nas amostras de mexilhão e conquilha determinou-se mais AO na fração bioacessivel do que o presente na matriz alimentar antes da digestão. Não podendo haver mais AO do que aquele que foi ingerido, e tendo sido observado paralelamente um valor muito reduzido de AO esterificado na fração bioacessivel, sugere-se uma conversão dos compostos esterificados no composto parental durante o processo digestivo. A conversão no trato digestivo dos compostos menos tóxicos (DTX3) nos seus compostos parentais mais potentes, vem justificar os casos de intoxicação após o consumo de bivalves contendo um perfil de toxinas dominado por DTX3. No entanto, nas amostras de berbigão e lingueirão não foi observada a conversão das formas esterificadas de AO, sugerindo um perfil de formas esterificadas diferente do mexilhão e conquilha. O tratamento a vapor foi avaliado nas amostras de mexilhão e berbigão, tendo-se observado um aumento da concentração das toxinas lipofílicas, mas uma redução da bioacessibilidade dos compostos face às matrizes cruas, sendo de destacar que a bioacessibilidade estimada para as amostras de berbigão foi interior a 50%. Este estudo fornece novos dados relevantes que podem melhorar e levar a estudos de avaliação de risco em segurança alimentar mais precisos sobre estas toxinas. A avaliação de risco com base exclusivamente na ocorrência das toxinas DSP em moluscos bivalves pode conduzir a uma sobrestimação da exposição e levar a medidas regulamentares mais conservadoras do que tendo em conta a quantidade de toxinas que podem ser absorvidas pelos epitélios intestinais. ABSTRACT - In vitro bioaccessibility of the marine biotoxins okadaic acid, dinophysistoxin-2 and their derivatives in raw and steamed shellfish - The most common and abundant biotoxins in Portugal are lipophilic toxins, including okadaic acid group (OA) toxins, which includes the dinophysistoxins (DTX1 and DTX2) and its derivatives (DTX3), responsible for the human food borne illness diarrhetic shellfish poisoning (DSP). Investigating the presence, variability and processing of marine biotoxins in bivalve molluscs is highly important not only for consumers and shellfish producers but also for governmental agencies with responsibilities on food safety. To date, the amount of toxins ingested in the food has been considered equal to the amount of toxins available for uptake by the human body after the digestive process. In this study, we evaluated through a static in vitro digestion model, the fraction of OA, DTX2 and DTX3 released from the food to the digestive fluids (bioaccessibility) in naturally contaminated mussels, donax clams, cockles, and razor clams. Bioaccessibility was assessed in both raw and steamed shellfish matrices. Higher bioaccessibilty was estimated for mussels (86 ± 4 %), followed by donax clams (74 ± 10 %), razor clams (71 ± 10 %) and finally cockles (59 ± 10 %). The amount of toxins not released into the digestive juices were detected in the non-bioaccessible fraction. In mussels and donax clams higher levels of OA were determined in the digestive juices than in the food matrix. Parallel to higher amounts of OA in bioaccessible fraction was observed a reduction of its esterified forms (DTX3), suggesting that DTX3 are converted into the parental compounds during the digestion process. This gastrointestinal conversion of less potent toxins into their more toxic parental compounds can be pointed out as a reason for human food poisonings after ingestion of contaminated shellfish containing mostly DTX3, as was previously observed in Portugal. However, conversion of DTX3 into OA was not observed in cockles and razor clams, suggesting that the suite of esterified compounds in these species is different from mussels and donax clams. Steaming of shellfish matrices, simulating a cooking treatment, lead to an increase of toxins concentration but significantly reduced their bioaccessibility, which was particular evident for cockles having the release of toxins been estimated by this in vitro model to levels below 50%. This study provides relevant new data that can improve and lead to more accurate food safety risk assessment studies concerning these toxins. Risk assessment based solely on DSP toxins occurrence in seafood can conduct to an overestimation of the exposure and lead to regulatory measures more conservative than taking into account the amount of toxins that can be absorbed by the intestinal epithelia. N/A