CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior O corpo humano está agora enredado numa trama muito particular, característica de nossa era tecnocientífica: seu valor e seu destino estão submetidos aos processos racionais e às novas técnicas que são continuamente desenvolvidas nos laboratórios. A partir de uma visão algo utópica, muito além de uma simples materialidade orgânica, as fronteiras da corporalidade estão assim sendo radicalmente questionadas e transformadas. E, neste passo, os conhecimentos científicos e sua mística transbordam seus campos estritos de aplicação, para alcançar e mobilizar o desejo e a vontade de indivíduos e do público em geral. Em nosso trabalho, buscamos investigar a relação entre as experiências de laboratório e aquilo que identificamos como o panorama underground de tecnologização do corpo. Procuramos assim circunscrever certas modificações corporais extremas, definidas como body hacktivism, body hacking ou pirataria do corpo, que se fundam numa perspectiva lúdica e exploratória, realizadas por amadores com o propósito de ampliar os limites sensoriais do homem. Tal reapropriação individual das tecnologias se converte, então, em inovações e em práticas inusitadas, por exemplo: implantes de microchips RFID, de magnetos, de vibradores genitais ou placas de titânio para substituir a pele, e mesmo próteses robóticas feitas com peças de Lego. A pesquisa de campo foi empreendida entre 2011 e 2013, em contato com vários praticantes selecionados na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. A metodologia qualitativa privilegiou a aplicação de entrevistas semiestruturadas e visitas a lojas de tatuagem/piercing, hotéis, eventos e seminários. O objetivo desta tese é, portanto, compreender qual corpo os body hackers constroem para si e projetam para os outros, explorando assim suas concepções acerca do sujeito humano. O argumento principal é de que os body hackers, por suas palavras e suas práticas, reverberam a mesma ontologia radical do individualismo moderno, ao tomar o indivíduo como a unidade social básica e a apropriação de seu próprio corpo como a relação fundamental. A simbiose do corpo com artefatos variados, que as novas tecnologias possibilitam, faculta ao indivíduo percepções exclusivas, nas quais os elementos inorgânicos se tornam não apenas mediadores da experiência pessoal, mas uma extensão ou parte articulada de si mesmo. Em suma, a tecnologia inserida no corpo além de modificá-lo, também transforma a forma de perceber, de estar e de ser-no-mundo. A pirataria do corpo, enfim, chama a atenção para uma realidade insofismável: se um dia a natureza concedeu aos seres humanos um corpo, para tê-lo, atualmente, é preciso superar o simples evento biológico e buscar incansavelmente o seu aperfeiçoamento, a quimera extraordinária de uma perfeição e de uma imortalidade vindoura. In the present technoscientific era, the body is involved in a particular scheme: its value is directly related to its rational and technical production in scientific laboratories, where a utopian vision of corporeality has been delineated. In these, its boundaries are radically challenged and transformed, moving beyond organic materiality. Nevertheless, scientific development goes beyond its pre-set field of action, and its resulting knowledge touches society in a singular way. In our investigation, we seek to discover the relationships between laboratory experiments and what we identify as the underground scene of body technologization. Within it, we circumscribe extreme body modifications, defined as body hacktivism and body hacking, which stand for a playful and exploratory perspective, performed by scientifically-inclined amateurs whose purpose consists of amplifying a person’s sensory limits. This individual reappropriation of technologies turns out in innovations, including RFID microchip and magnetic implants, genital vibrators, engineering of titanium skin interfaces, and even robotic prostheses made with Legos. Through an empirical study undertaken from 2011 through 2013, we conducted participant observations with a number of privileged proponents of these practices in Europe, in the United States and in Brazil. Our methodology was qualitative, notably through the application of semi-directive interviews. The research focused on tattoo/piercing shops, hotels, body modification events and seminars. Our problem is to understand which body the body hackers build and design, and to view the conception of the human subject. Our principal argument is that body hackers are on record for self-production in a radical individualism that has, as a privileged analytical unit, the individual (and its growing individualization) and the self-ownership of the body as its fundamental measures. Then, the symbiosis of the individual with the environment, through new technologies, creates a distinctive perception in which an inorganic element becomes the mediator of the experience of the self and of the other. Lastly, they come together in such a way that the individual becomes a unity with it. In short, these embedded technologies not only modify the body, but also change the way of perceiving, living, and being in the world. The body hacking draws our attention to the understanding of a scientific reality: if one day nature granted man a body, to have currently, it is fundamental to overcoming this biological event, endlessly seeking its improvement, until the day that man will attain the chimera of perfection and immortality.