No mundo, são estimados 19,3 milhões de novos casos de câncer e quase 10 milhões de mortes em decorrência dessa doença em 2021. A partir de 2040, é esperado que a cada ano sejam 29,5 milhões de novos casos de câncer. O câncer é importante problema de saúde pública no mundo. A incidência e a mortalidade vêm crescendo em parte pelo envelhecimento da população, pelo crescimento populacional, além da mudança na distribuição e prevalência dos fatores de risco (sedentarismo, alimentação inadequada, entre outros). Novos medicamentos, especialmente para o tratamento do câncer, estão se tornando cada vez mais caros. Na tentativa de enfrentar o desafio de garantir o acesso a esses novos medicamentos, novos instrumentos que dividem o financiamento do tratamento entre o sistema de saúde e fabricante vêm sendo experimentados e discutidos no mundo, tais como a partilha ou compartilhamento de risco (risk sharing). A Health Technology Assessement International – HTAi, conceitua a partilha de risco como “um acordo entre o produtor/fabricante e o pagador/prestador que permite o acesso (cobertura/coparticipação) a uma tecnologia em saúde mediante determinadas condições. Estes acordos poderão usar uma variedade de mecanismos para endereçar a incerteza sobre a performance de tecnologias ou para gerir a adoção de tecnologias de forma a maximizar o seu uso efetivo ou a limitar o seu impacto orçamental”. Este estudo teve como objetivo entender os acordos de risk sharing para medicamentos oncológicos de alto custo em Sistemas de Saúde públicos e privados no mundo. Foi realizada uma revisão integrativa da literatura com a seguinte pergunta de pesquisa: “O que a literatura científica apresenta sobre acordos de compartilhamento de risco entre a indústria farmacêutica de medicamentos oncológicos e os sistemas de saúde?”. As bases de dados escolhidas foram PubMed, disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/ e Biblioteca Virtual em Saúde – BVS, disponível em http://red.bvsalud.org/, com filtro dos últimos dez anos. Os descritores utilizados para compor o polo contexto (sistemas públicos e privados de saúde no mundo), população (pacientes que fazem uso de medicamento oncológico de alto custo) e fenômeno (acordos de partilha de risco/risk sharing agreements) foram escolhidos no MESH e DECs. Os resultados da busca inicial foram de 863 artigos pelo BVS e 1.635 pelo Pubmed, totalizando 2.498 artigos, em busca realizada em fevereiro de 2022. Considerando os critérios de inclusão, exclusão e o objetivo da revisão, após a leitura do título foram excluídos 1756 artigos, permanecendo 718 artigos para análise. Após a leitura do resumo, mais 671 artigos foram excluídos, restando 47 artigos. Procedendo a leitura completa do texto, mais 36 artigos foram excluídos, restando 11 artigos que responderam à pergunta da revisão. Os artigos mostram-se consensuais em apontar o desafio do financiamento para os novos tratamentos para o câncer, cada vez mais onerosos, que raramente levam à cura, mas prolongam a sobrevida e tempo de uso dos medicamentos. Os acordos de compartilhamento de risco têm sido apontados como uma das soluções mais promissoras para enfrentar essa questão. Há relativa unanimidade entre os artigos na descrição das vantagens dos acordos de risk sharing, sendo elas a ampliação do acesso ao medicamento, teórica aceleração do processo de incorporação que beneficiariam diretamente os pacientes e prescritores. Em relação aos sistemas de saúde, esse tipo de acordo diminui o risco de o pagador arcar com o custo de um medicamento que não atinge os resultados prometidos. Para as indústrias farmacêuticas, esses acordos podem acelerar a comercialização do medicamento, mediante o cumprimento das premissas estabelecidas. Apesar dessa aparente panaceia, os artigos avaliados também apresentam inúmeras críticas, a começar pela dificuldade em estabelecer os desfechos clínicos adequados. Os fabricantes tendem a querer utilizar os desfechos comprovados pelos estudos de desenvolvimento do medicamento, que são realizados em ambientes controlados, em populações previamente selecionados e, os bons resultados obtidos podem não se repetir em sua totalidade na população real. Outro ponto discutido são os inúmeros desfechos existentes em oncologia, por exemplo, sobrevida global, tempo de progressão livre de doença, desfechos de qualidade de vida, toxicidade. Essa falta de uniformidade dos desfechos leva a dificuldade de padronização e definição do que seria realmente significativo para justificar alto custo de tratamento. Tem-se um desafio ético decidir se aumento de sobrevida global de dois meses é significativo, ou se um medicamento que não aumenta a sobrevida, mas aumenta a qualidade de vida nos meses restantes é significativo e pode ter um preço maior. Como colocar um preço em dias de vida? Outra crítica, é a grande necessidade logística de acompanhamento dos pacientes recebendo determinado medicamento. O modelo italiano apresentou solução interessante, colocando todos os pacientes que recebem medicamentos de alto custo para tratamento do câncer em um sistema on-line, onde oncologistas e farmacêuticos preenchem os dados de evolução daquele paciente. Porém, o investimento necessário para esse sistema foi enorme o que pode ser impeditivo para países mais pobres. Outro ponto unânime é que outras soluções de enfrentamento do desafio de sustentabilidade do sistema devem ser discutidas, bem como discussões sobre preços dos medicamentos devem continuar, na busca por redução ou desaceleração desse aumento de preços. Acordos de risk sharing podem ser uma solução de enfrentamento para os crescentes custos em saúde, principalmente relacionados aos novos medicamentos oncológicos. Apesar da possibilidade de redução dos preços nesse tipo de acordos firmados entre indústria e pagador, não há consenso de melhores modelos. Discussão sobre desfechos que cada medicamento promete, seu custo, melhor tratamento para cada paciente e possíveis modelos aplicáveis de acordos de compartilhamento de risco deve ser amplamente explorada por médicos, farmacêuticos, pagadores, indústrias farmacêuticas, associações de pacientes. A transparência na divulgação destes acordos deve ser estimulada para que diretrizes com sugestões de melhores modelos sejam criadas.