Comemorar 10 anos do Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas é um privilégio e uma alegria. É com satisfação que apresentamos, aqui, os trabalhos selecionados com todo carinho e rigor que a data exige. Passaram-se dois anos desde que convocamos colegas a contribuírem para este número temático, um sintomático lapso de tempo que nos sugere que precisamos de tempo... tempo para pensar e repensar as práticas, tempo para decantar de nossas reflexões e construções teórico-metodológicas, elementos que indiquem as veredas onde os avanços no campo da Educação Alimentar e Nutricional (EAN) estão sendo pavimentados para os próximos dez ou doze anos. O Marco, nome carinhoso como tratamos essa publicação de 2012, marca de fato um contexto de fortalecimento dos espaços de participação social e de iniciativas intersetoriais para a promoção do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Marca também a relevante e necessária produção de uma reflexão crítica sobre as ações de EAN, valorizando-a nos diversos contextos em que já era desenvolvida e incentivando sua inserção em novos cenários.1 Esses novos cenários foram se apresentando ao longo dos anos, marcados também por uma série de adversidades, tais como: (1) os ataques aos referenciais da educação crítica, sobretudo a Paulo Freire, produzidos por uma onda conservadora que se espalhou em diversos aspectos da vida social; (2) o crescimento de perspectivas de atuação profissional fortemente marcadas pelos valores neoliberais que exercem sobre o nutricionista o ideal de tornar-se “empreendedor de si”; (3) a crise sanitária relacionada à Covid-19 e a necessidade de mudanças no cotidiano (incluindo o afastamento social), que demandaram adaptações às formas de cuidar da alimentação, nutrição e saúde e de fazer EAN; e (4) o desmonte, esvaziamento e reconfiguração das políticas públicas de SAN e de outras políticas sociais que, combinados com o contexto de crises (econômica, social, climática e sanitária), trouxeram o aumento avassalador da fome em todo país. Além das adversidades, cabe aqui registrar os reconhecidos avanços relativos aos debates sobre ambientes alimentares, sistemas alimentares sustentáveis e justos e a visibilidade dada às questões de gênero e raça entre os determinantes da saúde, assim como as contribuições do Marco no estímulo ao registro e sistematização de novas práticas, múltiplos saberes e questões étnico-raciais em alimentação e nutrição. No contexto desses avanços, destacamos duas importantes iniciativas: em um primeiro momento, em 2012, a criação da Rede Virtual Ideias na Mesa, com o intuito de favorecer a troca de experiências de EAN e o apoio à formação de profissionais para atuar nessa área;2 e, mais recentemente o Laboratório de Inovação em Educação Alimentar e Nutricional (LIS-EAN), lançado no contexto da celebração dos 10 anos do Marco que se dedica a reunir experiências de EAN exitosas, além de sistematizar o conhecimento de maneira a ampliar o acesso e o compartilhamento entre gestores e profissionais da saúde e de outros setores.3 Reconhecemos nessas iniciativas a importância de descrever, sistematizar e publicizar essas experiências e, principalmente, de partilhar os sucessos de profissionais que atuam na EAN. Contudo, apesar da grande quantidade de relatos de experiências enviados para essa chamada temática, entendemos que era o momento oportuno de dar mais ênfase às lacunas, renovando, mais uma vez, os desafios com que somos confrontados em nosso cotidiano e possibilitando o avanço sempre possível e necessário ao campo da EAN. Assim, os artigos aqui reunidos apresentam sistematizações e análises que, na esteira das inovações trazidas pelo Marco, puderam sustentar espaços nos quais, tradicionalmente, se desenvolvem práticas de EAN, como escolas, unidades de atenção primária à saúde, estágios e projetos de extensão desenvolvidos nas universidades, mas também apontar novos elementos que contribuem para uma concepção de EAN que se liberte das amarras de uma educação bancária. Esse é um desafio permanente e que ainda se impõe ao campo da EAN. Ou seja, mudar práticas não é nada simples, sobretudo quando nos vemos diante de uma formação profissional que se utiliza de abordagens pedagógicas tradicionais, por vezes voltadas a demandas de um mundo neoliberal que responsabiliza unicamente o indivíduo, e não renuncia a concepções arcaicas e normativas sobre os binômios saúde-doença, certo-errado, bom-mau.