Tal como reza a história de Frater Taciturnus – em Estádios no Caminho da Vida, de Søren Kierkegaard –, das profundezas de um recôndito, silencioso e solitário lago na Dinamarca, ele extraiu um diário anónimo de um sujeito enclausurado, a quem se refere pelo termo «quidam». Este achado corresponde à «história de sofrimento» de “«Culpado?» / «Não-culpado?»” (na terceira parte de Estádios no Caminho da Vida), um escrito em que se encontram inseridos seis contos: “O Desespero Silencioso”, “A Autocontemplação de um Leproso”, “O Sonho de Salomão”, “Uma Possibilidade”, “A Lição a Interiorizar. Periandro” e “Nabucodonosor”. E são estas seis pequenas narrativas que constituem o objecto do presente estudo fenomenológico. Por meio destas narrativas, o leitor tem a oportunidade de aprofundar a compreensão do mapa da existência. Seguindo o itinerário destes textos, ele pode ganhar perspectiva para vários fenómenos fundamentais da existência, tais como a imersão do sujeito no exterior e o seu contrário, i.e., a orientação do sujeito para si próprio, e tais como a melancolia, a recordação, a contemplação de si e da existência, a compaixão, a identidade, a confrontação com a questão do sentido da vida, o desenvolvimento da consciência, a culpa, o arrependimento desesperado, a angústia, a preocupação e a paixão, a prisão à categoria da possibilidade, a ausência de linguagem, a forma de existência que corresponde à excepção, a diferença e, até, a contradição entre o exterior e o interior, a sabedoria e a ausência da sua interiorização – pois tais fenómenos encontram-se, nesse conjunto de textos, desenhados de modo concreto e de forma exímia. Nestes seis contos, surge o fenómeno psicológico do enclausuramento delineado de diferentes formas concretas. Os personagens enclausurados estão muito longe da forma espontânea de existência, pois não estão afundados no meio envolvente, absorvidos no exterior – eles estão despertos para si próprios, reflectem sobre si próprios e sobre a existência, têm, na verdade, um grau de reflexão muito elevado. Estão confrontados com a existência e a questão do sentido da vida, confrontados consigo próprios, com a sua identidade – estão orientados para si próprios e concentrados em si próprios, alcançaram um elevado grau de lucidez, mas colidem com uma opacidade que não se desfaz. Enquanto permanecem enclausurados, não se revelam aos outros, mas também não alcançam realmente a revelação de si para si próprios, e, assim, o seu reconhecimento de si é somente parcial. Possuem um «eu» profundo e envolto em silêncio, um «eu» que eles não vêem com clareza. Enquanto permanecem enclausurados, não alcançam a expressão de si, não alcançam a transparência, não se alcançam realmente a si próprios: a sua identidade permanece escondida, e eles permanecem numa atmosfera de lucidez e obscuridade, de sabedoria e incompreensão, permanecem vazios e confrontados com o vazio. Os personagens dos contos não chegam a quebrar o enclausuramento e, assim, não alcançam um sentido pleno na existência. As Frater Taciturnus’ story goes – in Søren Kierkegaard’s Stages on Life’s Way –, from the depths of a hidden, silent and solitary lake in Denmark, he extracted an anonymous diary that belonged to a self-enclosed person, to whom he refers as «quidam». This find corresponds to the «story of suffering» of “«Guilty?» / «Not-guilty?»” (in the third part of Stages on Life’s Way), a writing in which six short stories are inserted: “Quiet Despair”, “A Leper’s Self-contemplation”, “Solomon’s Dream”, “A Possibility”, “The Lesson to Interiorize. Periander” and “Nebuchadnezzar”. These six short narratives constitute the object of this phenomenological study. Through these narratives, the reader has the opportunity to deepen the comprehension of the map of existence. Following the itinerary of these texts, the reader is able to gain insight into numerous fundamental phenomena of existence, such as one’s immersion in the exterior and its opposite, i.e., one’s orientation towards oneself, and such as melancholy, recollection, contemplation of oneself and of existence, compassion, identity, confrontation with the issue of the meaning of life, the development of conscience, guilt, despairing repentance, anxiety, concern and passion, imprisonment in the category of possibility, absence of language, the form of existence that corresponds to the exception, the difference and even the contradiction between the outer and the inner, wisdom and the lack of its interiorization – since such phenomena are drawn in this set of texts, in a concrete and outstanding way. In these six short stories, the psychological phenomenon of self-enclosure is delineated in different concrete forms. The self-enclosed characters are very far away from the spontaneous form of existence, since they are not submerged in the surrounding environment, absorbed in the exterior – they are awake to themselves, they reflect on themselves and on existence, they have, in fact, a very high level of reflection. They are confronted with existence and the issue of the meaning of life, confronted with themselves, with their identity – they are oriented towards themselves and concentrated on themselves, they reached a high level of lucidity, but they collide with an opacity that does not vanish. While they remain self-enclosed, they do not disclose themselves to others, but neither do they really achieve the disclosure of themselves to themselves, and, thus, their recognition of themselves is only partial. They have a deep and silent self, a self that they do not see clearly. While they remain self-enclosed, they do not achieve the expression of themselves, they do not achieve transparency, they do not really reach themselves: their identity remains hidden, and they remain in an atmosphere of lucidity and obscurity, of wisdom and lack of comprehension, they remain empty and confronted with emptiness. The characters of these short stories do not break their self-enclosure and, therefore, they do not achieve a full meaning in their existence.