O presente texto constitui uma resenha do capítulo intitulado “Psicologia, trabalho e processos de subjetivação”, que compõe o livro “Processos de subjetivação: fundamentos e movimentos”, organizado por Moreira e Januzzi (2023) e lançado pela Editora PUC Minas. O capítulo, escrito por três gerações de psicólogos e professores da área de Psicologia do Trabalho da PUC Minas, José Newton Garcia de Araújo (graduado em 1973 e docente da instituição desde 1998), João César de Freitas Fonseca (graduado em 1994 e docente da instituição desde 2001) e Carlos Eduardo Carrusca Vieira (graduado em 2004 e docente da instituição desde 2007)[1], ao considerar como base para sua argumentação as discussões marxianas sobre a relação objetividade-subjetividade, aborda o trabalho como elemento central para a compreensão dos processos de subjetivação. No texto, são expostas discussões que abordam o caráter social da dinâmica subjetiva. Os autores apresentam uma recapitulação da obra de Marx e Engels, que, apesar de breve, contempla uma explanação clara das elaborações necessárias para a compreensão da abordagem proposta. Para tal, os autores recorrem, além dos escritos originais, como “O Capital”, “Crítica da filosofia do direito de Hegel”, “A Ideologia Alemã e Manuscritos Econômico-Filosóficos”, a célebres intelectuais contemporâneos do marxismo, como Gyorgy Lukács e José Chasin, destrinchando a virada ontológica de Marx, na crítica ao materialismo de Feuerbach e ao idealismo de Hegel. As elaborações sobre o processo de trabalho enquanto metabolismo dos seres humanos com a natureza são detalhadas: “(...) perpétua condição da vida humana e, por conseguinte, independente de qualquer forma particular dessa vida, ou melhor, comum a todas as suas formas sociais” (MARX, 2013, p. 261). Tal intercâmbio transforma tanto o meio quanto o ser humano que age sobre ele, e que assume uma forma particular no modo de produção capitalista. Ao resgatarem as contribuições da teoria marxiana, sobretudo, o materialismo histórico dialético, os autores elaboram como esse método fornece subsídios para uma perspectiva psicológica crítica acerca dos processos de subjetivação. Logo, tais processos passam a ser conhecidos não em sua natureza intrapsíquica ou metafísica, mas a partir da materialidade das condições de vida, do modo de produção e das relações sociais. Nesse sentido, é feita pelos autores uma apresentação das contribuições de Figueiredo e Santi (2008) acerca da emergência e da crise da subjetividade privatizada, que, por ser mediada pelas formas de produção da vida material, tem, no modo de produção capitalista suas experiências universalizadas. Os processos de subjetivação, portanto, devem ser analisados na esteira das determinações históricas e sociais que, no contexto histórico atual assume sua forma no modo de produção capitalista, posição que é levada em conta na perspectiva da psicologia do trabalho defendida pelos autores e apoiada pelas vertentes da Psicologia Social Latino-Americana (LANE, 1984; BOCK, 2007) e Psicologia Histórico-Cultural (BULHÕES; MARTINS, 2018; VYGOTSKY, 2003). Destarte, os autores apontam para o fato de que o sujeito, na premissa materialista, não pode ser subjetivado e ter a sua subjetividade transformada em objeto, como sugeriu a proposta idealista de Hegel. O ser social, entendido como objeto da análise dos processos de subjetivação, deve ser visto factualmente como um sujeito objetivado, ou seja, em constante relação com a materialidade que o envolve. Sendo assim, a subjetividade deve ser entendida como um predicado, um produto dos processos que englobam relações sociais historicamente localizadas. É destacado no capítulo que a materialidade, nesse sentido, não se trata apenas da concretude material posta ao sujeito, mas em toda a organização dos processos de produção e como eles estruturam as relações sociais. Sendo assim, os modos de produção estabelecem as formas em que se dão as relações sociais (e de classe, raça e gênero) que, por conseguinte, participam ativamente da dinâmica subjetiva. O ser social, então, se faz sujeito na medida em que interage com a natureza de maneira ativa, relacional e interdependente, tendo imbricadas, nesse contexto, as esferas da ideação e da concreção. Logo, entendendo que os processos de subjetivação do sujeito histórico atual são mediados pelo modo de produção capitalista, o trabalho assume um destaque ímpar para sua compreensão. Sendo assim, os autores concebem o trabalho, a partir das definições marxianas, como fator fundante na constituição do sujeito. Nessa definição o sujeito, através do trabalho, ao modificar a natureza, invariavelmente, se modifica no processo, criando um local de intercâmbio entre o ser social e a natureza; entre o mundo intrapsíquico e o extrapsíquico. Por essa razão é que o trabalho se torna um lócus fundamental para compreensão da subjetividade. A partir disso, a leitura marxiana avança para as considerações acerca da sociabilidade do capital, identificando o trabalho em nossa sociedade tal como foi capturado pelo capitalismo, transformado em mercadoria e expropriado pela mais-valia. O proletário, trabalhador, forçado a vender sua força de trabalho, tornou-se mais uma mercadoria nesse sistema de produção que se baseia na exploração da classe trabalhadora em benefício da manutenção dos privilégios de uma minoria absoluta: a burguesia. O capitalismo, no processo de mercadorização do trabalho, a fim de se instrumentalizar, apropriou-se do individualismo moderno, buscando a dissolução dos laços comunitários para impulsionar o consumo e a construção de uma subjetividade privada. O êxito alcançado nesse processo deflagrou modos de sociabilidade historicamente postos para os sujeitos, que os afeta profundamente, segundo os autores, não somente em sua subjetividade, mas em toda a significação afetiva, dos desejos, pensamentos e até mesmo dos corpos. Sendo assim, os autores demonstram como os achados de Marx e Engels possibilitaram o surgimento de uma abordagem psicológica crítica dos processos de subjetivação, que em diálogo com a psicologia nos conduz, também, à Psicologia do Trabalho. O suporte do aparato teórico-metodológico do materialismo histórico para a compreensão da subjetividade evidencia um pilar fundamental para a análise das relações entre trabalho, poder, organizações e instituições, processos de saúde-doença, regulações jurídicas, riscos psicossociais, violência, representações sociais e mesmo as contradições do mercado de trabalho, como a intensificação do trabalho (precarização, pejotização, uberização, etc.) frente à contínua pauperização da população. Além disso, com este capítulo os autores foram capazes de revelar como tais referenciais teóricos constituem a especificidade epistemológica da Psicologia do Trabalho. Explicitar essa elaboração teórica corrobora para o reconhecimento da realidade objetiva e intersubjetiva que envolve o trabalho. A partir disso, fica explícita a necessidade de assumir as verdadeiras premissas que regem a análise crítica do trabalho (Bendassolli, 2011), reconhecendo a frequente psicologização individual que ocorre nesse âmbito, e investindo no desenvolvimento de caminhos críticos para a superação das contradições impostas ao trabalhador. Essa obra transgeracional que se propõe a retomar as premissas marxianas e articulá-las como perspectiva fundamental para a Psicologia do Trabalho alcança, ao nosso ver, efetivo êxito em demonstrar a relevância de discutir os processos de subjetivação a partir das premissas marxianas. Tal contribuição é de extrema relevância não somente para a Psicologia do Trabalho, como para toda e qualquer psicologia dotada de compromisso social, que compreende as formas de produção da sobrevivência como aspecto fundamental para entender o mundo psicológico (BOCK, 1999). [1] As informações sobre as formações acadêmicas e trajetórias profissionais dos professores foram obtidas a partir de seus currículos disponíveis na plataforma Lattes.