Orientador: Márcio Orlando Seligmann Silva Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem Resumo: Narrar um período histórico é contingente a questões políticas, sociais, históricas, culturais e temporais. Quando se trata das ditaduras do Cone Sul do século XX, em especial, a ditadura brasileira de 1964-1985, "o que foi" (ou o que é) ainda está sendo produzido. Esta tese volta-se, então, para a produção da literatura contemporânea brasileira, particularmente as narrativas literárias longas escritas após o ano 2000, com uma distância temporal de trinta e cinco anos ou mais das ditaduras do Brasil, principalmente, mas também do Cone Sul, em geral, e a sua relação formal, estética e temática com esses eventos. Essa literatura lida com as constantes tensões de um passado ainda não resolvido no presente, disputando e lembrando o que foi/é ora esquecido, ora diminuído, ou ainda negado. A fim de compreender essas tensões, este trabalho observa de que maneira a ditadura é contada na literatura contemporânea: como marca as vivências, os corpos e as escritas contemporâneos; de que forma se inscreve, muitas vezes espectralmente, após o ano 2000, e o que desvela (ou perpetua) do que ainda é negado e/ou silenciado. Menos como algo que passou, pertencente a outro tempo, a literatura mobiliza temporalidades coexistentes, em diálogo: situa a ditadura em contato com o tempo presente, como força do passado que ainda mobiliza e violenta e como discurso crítico que pode produzir e imaginar novos futuros. Interessam aqui particularmente as obras que se distanciam e que, dentro dos limites, contradições e anacronismos do seu próprio tempo, formalizam as diferentes temporalidades com as quais lidam. Nelas, o passado cobra um espaço, uma recuperação no presente e é construído como campo em disputa em que pesa, portanto, o que se lembra, mas também, principalmente, como se lembra e como se conta, bem como quando se lembra e quando se conta. Trata-se, então, de observar a relação entre diferentes temporalidades, em diálogo com os campos teóricos da memória, do trauma, da justiça de transição e das utopias nas obras A chave de casa (2007), de Tatiana Salem Levy; Ainda estou aqui (2015), de Marcelo Rubens Paiva; Antes do passado (2012) de Liniane Haag Brum; A resistência (2015), de Julián Fuks; Azul-corvo (2010), de Adriana Lisboa; Nem tudo é silêncio (2010), de Sonia Bischain; O amor dos homens avulsos (2016), de Victor Heringer; O corpo interminável (2019), de Claudia Lage; O fantasma de Luis Buñuel (2004), de Maria José Silveira; Outros cantos (2016), de Maria Valéria Rezende; a dita Trilogia infernal, de Micheliny Verunschk, composta pelos livros Aqui, no coração do inferno (2016), O peso do coração do homem (2017), e O amor, esse obstáculo (2018); Outros cantos (2016), de Maria Valéria Rezende; e Tupinilândia (2018), de Samir Machado de Machado Abstract: Narrating a historical period is contingent upon political, social, historical, cultural, and temporal matters. When it comes to the 20th-century dictatorships in South America’s Southern Cone and particularly the Brazilian Dictatorship of 1964-1985, that "what was" (or "what is") is still being produced. This dissertation investigates the production of contemporary Brazilian literature written after the year 2000, with a temporal distancing of over thirty-five years from the Brazilian Dictatorship, mostly, but also those of the Southern Cone, more generally, and its formal, aesthetic and thematic relation with those events. This literature deals, in the present, with constant tensions from a still unresolved past, reclaiming and remembering what was/is sometimes forgotten, sometimes underestimated or even denied. To understand these tensions, this work aims to understand the ways in which the dictatorship is narrated in contemporary literature: how it marks contemporary lived experiences, bodies and writing; how it is written in that which is still denied or silenced, often spectrally, after the year 2000, and what it unveils (or perpetuates). Not so much as something that has passed, belonging to another time, literature mobilizes coexisting temporalities in a dialogue: it situates the dictatorship in contact with the present time as a force of the past that still mobilizes and violates, and as a critical discourse that can produce and imagine new futures. This dissertation is particularly interested in works that distance themselves and which, within the limits, contradictions and anachronisms of its own time, formalize the different temporalities with which they deal. In these works, the past demands a space, to be recalled in the present, and is built as a field of dispute where what counts is that what is remembered but also, and mostly, how it is remembered and narrated, and when it is remembered and narrated. In that sense, it observes the relation between different temporalities and the theoretical fields of memory, trauma, transitional justice and utopia in the novels A chave de casa (2007), de Tatiana Salem Levy; Ainda estou aqui (2015), de Marcelo Rubens Paiva; Antes do passado (2012) de Liniane Haag Brum; A resistência (2015), de Julián Fuks; Azul-corvo (2010), de Adriana Lisboa; Nem tudo é silêncio (2010), de Sonia Bischain; O amor dos homens avulsos (2016), de Victor Heringer; O corpo interminável (2019), de Claudia Lage; O fantasma de Luis Buñuel (2004), de Maria José Silveira; Outros cantos (2016), de Maria Valéria Rezende; a dita Trilogia infernal, de Micheliny Verunschk, composta pelos livros Aqui, no coração do inferno (2016), O peso do coração do homem (2017), e O amor, esse obstáculo (2018); Outros cantos (2016), de Maria Valéria Rezende; e Tupinilândia (2018), de Samir Machado de Machado Doutorado Teoria e Crítica Literária Doutora em Teoria e História Literária FAPESP 2017/06026-2 CNPQ 165334/2017-7