O presente trabalho é um recorte de uma monografia de Psicologia realizada em uma instituição de ensino particular em Brasília e o mesmo foi apresentado no 13° Colóquio Internacional do LEPSI – Minas, o qual aconteceu em Ouro Preto, no ano de 2019. O tema desenvolvido foi a escuta de adolescentes de uma escola de ensino médio da rede pública do Distrito Federal com o objetivo de fazer circular a palavra entre os adolescentes qua apresentavam baixo rendimento escolar e problemas de comportamento.A adolescência é um dos temas que mais nos suscitam questões, uma vez que se trata de um estágio do desenvolvimento muito difícil de lidar, tanto para os pais e educadores, como para os próprios adolescentes. Este trabalho vem contribuir para uma compreensão e reflexão sobre esse tema analisado dentro do contexto educacional e pela ótica do adolescente.A adolescência hoje configura-se como uma das fases mais complexas do desenvolvimento. As inquietações vividas nesta fase da vida são de extrema importância e orientam o futuro do jovem sujeito. O referido trabalho tem como referencial teórico a Psicanálise e as contribuições desta área do conhecimento para a compreensão desse espaço conturbado entre a infância e a vida adulta denominado adolescência.Na contemporaneidade Calligaris (2000) refere-se à adolescência como sendo uma fase da vida em que o jovem paga uma espécie de “moratória” ou dívida em que não pode usufruir daquilo que já aprendeu sobre a vida. O autor usa a palavra “moratória” como metáfora para se referir ao período em que o sujeito, apesar de ser capaz, instruído e treinado nos valores sociais básicos e também, apesar do seu corpo e seu espírito estarem prontos para a competição e estar apto a adotar os ideais da comunidade, ele não é reconhecido como adulto. Aprende que, por mais ou menos 10 anos, ficará sob a tutela dos adultos, preparando-se para o sexo, amor e o trabalho, sem produzir, ganhar ou amar, a não de ser de forma marginal, pois a autorização será postergada e esse período de suspensão, segundo ao autor, é a adolescência. O adolescente embora física e espiritualmente esteja pronto para agir como um adulto ainda não é reconhecido como tal pela sociedade. Tal contradição não lhe passa despercebida, ou seja, ao mesmo tempo em que esperam que ele aja como um adulto e o educam para agir de forma autônoma, eles devem aguardar sua independência. Além disso, devem se sentir e reagir felizes com esse tempo de “suspensão” imposta, pois culturalmente a adolescência é idealizada pelos adultos como se fosse um tempo particularmente feliz, Calligaris (2000).Segundo Calligaris (2000) o que motiva a imposição dessa “moratória” é a falta de maturidade do adolescente. No entanto, na cultura moderna ocidental não é definido quando essa maturidade inicia, ou seja, não há um rito de passagem para o adolescente ingressar na vida adulta como acontece em outras culturas. Isso traz muita raiva, insegurança e incertezas na vida dos adolescentes que vivem literalmente, conforme diz o autor “no limbo da indefinição” que é exatamente esse período de espera.Quanto a isso Julien (2010), traz uma contribuição importante. Segundo o autor a crise de identidade que a família tem passado na atualidade contribui para essa indefinição de quando um adolescente se torna adulto. Para o autor essa ruptura com o mundo adolescente é transmitida de geração para geração no momento em que os pais, sejam eles biológicos ou não, saem do lugar da imagem ideal.Quando eles não respondem à demanda do filho em ser tudo para ele, isso dá a possibilidade de o filho passar por esse luto dos pais ideais e abandoná-los fazendo outras alianças em sua geração, de acordo com o seu próprio desejo, construindo, assim, sua individualidade (Julien, 2010).Os pais também se sentem perdidos, pois seu filho está procurando se reconhecer enquanto sujeito separado deles. Nessa fase muitos pais não sabem como lidar com essa situação pois eles também têm que lidar com o adolescente que foram um dia. Nesse conflito eles devem encontrar uma nova maneira de se relacionar com seus filhos, visto que estes não são mais crianças (Julien, 2010).Nessa difícil travessia pais e filhos muitas vezes se sobrepõem na mesma posição, trocando de papéis e reagindo em relação simétrica e sobreposta gerando espaços de angústia e sofrimento psíquico para ambos.Entre a criança que foi e o adulto que virá a ser o espelho do adolescente é frequentemente vazio, se tornando um espaço ocioso para projeções de autoestima baixa, fragilidades, sentimentos de inadequação, condutas inadequadas de comportamento, depressão e até mesmo, em alguns casos, tentativas de suicídio. É realmente uma fase muito delicada e insegura da vida, quando ele não tem ideia do que esperam dele, do que acontecerá e nem do que virá a ser (Julien, 2010). Junte-se a tudo isso a transformação involuntária de seus corpos causada pelos hormônios e a força da adesão à grupos que se reconhecem nessa situação, formando os “bandos” em busca de meios inéditos e nem sempre aceitáveis socialmente para obter atenção e reconhecimento. É nesse momento que o jovem acaba confrontando os valores da sua família.Segundo Calligaris (2000) dentre as formas de se afirmarem e serem reconhecidos enquanto sujeitos alguns adolescentes percorrem caminhos como a constituição de grupos, a delinquência, a toxicomania e a violência. Outros tentam modificar a sua aparência, contrariando a estética familiar e ou fazendo barulho, com músicas e jogos de vídeo game, procurando dessa forma, andar na contramão da cultura dos valores do grupo familiar. O que o adolescente não sabe é que ele já tem um lugar cativo na sociedade assumindo inconscientemente o ideal cultural na modernidade. Ainda de acordo com o mesmo autor a adolescência passou a ser idealizada como a época mais desejada pelos adultos pela despreocupação com as responsabilidades, a liberdade que ela encerra e a semelhança física com estes.Jerunsalinsky, (2010), corrobora essa ideia de o adolescente ser a porta voz do desejo dos pais, pois através de seus filhos, os pais revivem a sua própria infância e adolescência perdida, assim estabelecem um período em que os filhos ficam rebeldes, contrariam a família e criticam os pais por terem abandonado seus próprios desejos. Sendo a adolescência um retorno à infância, a rebeldia e inconformismo de alguns adolescentes se traduz como forma de recriminação aos pais por estes terem concordado com a demanda social e renunciado a seus desejos.Diante disso Jerunsalinsky (2010) diz que os adolescentes apelam para três vias: a da violência; a renúncia ao ideal em conformidade com seus pais e uma terceira que é a do retorno do desejo, ou seja, da rebeldia onde o adolescente busca seus ideais.Essa terceira via, identificada por Jerunsalinsky (2010), como uma ética da esperança expressa-se através de uma atuação reivindicatória do adolescente contra a demanda social por meio de manifestos, protestos e outras formas de dar sentido à sua existência e desejo. Ou seja, ele não renuncia ao seu desejo como seus pais o fizeram, mas antes, expressa seu inconformismo, não mais pela via da violência, mas por formas aceitas socialmente.Para a Psicanálise a adolescência é um processo e este se dá através de uma reorganização psíquica onde o adolescente terá que que se a ver com mudanças físicas, emocionais e relacionais, as quais provocam muitas inquietações e sofrimento que ele nem sequer consegue nomear, resultando assim, em grande dor que pode manifestar-se através de atos impulsivos e perigosos, isolamento, depressão e até suicídio (Nasio, 2011; Jerunsalinsk 2010).Segundo Aberastury (1981), nem sempre aparece uma crise da adolescência, mas o jovem sempre está em impasse com sua forma de conceber e lidar com o mundo externo e suas demandas. A adolescência se configura em um processo doloroso e inevitável na vida de qualquer sujeito. Querendo ou não todos nós atravessamos essa fase e o modo como o fazemos depende da história de vida de cada sujeito.No entanto, segundo a autora, ocorrem etapas comuns a todos os jovens nessa fase. Além das mudanças físicas e emocionais, também há que considerar que se trata de uma fase de luto, pois o sujeito deixa de ser criança, perdendo as peculiaridades dessa fase, inclusive seu corpo infantil e passa a funcionar em uma fase de “limbo”, pois ele não sabe como agir e nem controlar seu corpo, o qual se deforma, nesse hiato que é a adolescência, antes de se transformar de fato.Pode se dizer que o adolescente passa por três lutos fundamentais: o luto pelo corpo infantil, o luto pelo papel e identidade infantis e o luto pelos pais da infância. Nesse terceiro luto o jovem tenta reter esses pais, procurando o refúgio e a proteção que eles se significam. Essa é uma situação complicada também para os pais, uma vez que estes têm que enfrentar seu envelhecimento e o fato de que seus filhos não são mais crianças. Pode acontecer também que os pais passem a pensar na sua própria adolescência, trazendo conteúdos não elaborados na época, mas que afloram naturalmente agora. Todas essas perdas e mudanças físicas e emocionais próprias do processo de maturação leva o adolescente à instabilidade que o define. O mundo dos adultos não aceita essas flutuações imprevistas sem comover-se, já que reedita nos adultos ansiedades básicas que tinham sido controladas até certo ponto (Aberastury, 1981).Todas essas questões, podem, em alguns casos, tornar o convívio familiar muito difícil e conflituoso trazendo desentendimentos, discussões e muito sofrimento para todos que convivem com o adolescente, incluindo os educadores podem estes assim como os pais configuram-se em figuras de autoridade.Para Nasio (2011), o adolescente é um ser que exaspera a família e sente-se sufocado por ela, mas ele também é um ser que sofre e assiste à eclosão do próprio pensamento e ao nascimento de uma nova força viva, resultando na fase mais fecunda da existência. No entanto, geralmente o adolescente entra em crise e sua maior dificuldade é colocar em palavras seu próprio sofrimento. Ele nem sempre sabe verbalizar o que sente, mesmo porque não sabe identificar corretamente o que sente. Seu sofrimento inconsciente, manifesta-se por meio de comportamentos impulsivos, não sendo conscientemente vivido e nem colocado em palavras. Esse autor, apresenta um panorama das manifestações do sofrimento inconsciente do adolescente contemporâneo classificando-o em três categorias possíveis: sofrimento moderado, intenso e exacerbado.No sofrimento moderado encontramos o jovem comum onde a adolescência constitui-se em uma neurose salutar de crescimento, e é evidenciada por angústia, tristeza e revolta. Neste caso, os pais devem saber esperar, da melhor forma possível, o fim da tempestade. A neurose de crescimento é a repetição na adolescência do complexo de Édipo (Nasio, 2011).Em relação ao sofrimento intenso os adolescentes, por dificuldade de externalizar a dor interior que sentem, apresentam comportamentos de risco, impulsivos e recorrentes. Os comportamentos de risco mais frequentes são a depressão e o isolamento. Vale ressaltar que esta depressão, muitas vezes, não se apresenta na forma de tristeza e abatimento, mas de forma disfarçada, misto de mágoa e despeito, chamada de “depressão hostil”, fruto de uma decepção que, em vez de torná-lo triste, gerou seu ódio (Nasio, 2011).No sofrimento exacerbado estão incluídos os distúrbios mentais severos que podem perdurar até a idade adulta. Neste caso, a forma mais dramática é a esquizofrenia ou dissociação esquizofrênica acompanhada de delirios, alucinações ou retraimento autistico. Em seguida encontramos os transtornos obsessivos compulsivos, os distúrbios ansiosos e fóbicos, os distúrbios alimentares e as depressões mais intensas que podem levar ao suicídio. Consequentemente essas manifestações confinam o jovem em casa e o desescolariza, agravando o quadro (Nasio, 2011).O objetivo do trabalho foi desenvolver, dentro da escola, um espaço de escuta e acolhimento da fala do sujeito adolescente por meio de uma roda de conversa onde ele pudesse expressar seus sentimentos, inquietações, dúvidas e conflitos relacionais vivenciados nessa fase, tanto dentro, como fora da escola, pois sabemos que quando o aluno comparece à escola traz consigo toda sua história de vida para a mesma, seus interesses, queixas, indagações, problemas e incertezas e estas se refletem no processo de aprendizagem e nas relações vivenciadas na escola, tanto do adolescente com seus pares, quanto com seus professores e outros agentes da escola.O espaço de escuta aconteceu durante três meses dentro da própria escola numa sala improvisada para esse fim. As rodas de conversa aconteciam uma vez por semana no horário de 12:40 às 13:30, a fim de acolher alunos do turno matutino e vespertino.Ao criarmos o espaço onde o adolescente pôde sentir-se seguro o suficiente para manifestar-se por meio da fala, o dispositivo tornou-se exitoso lidando com as demandas próprias dessa fase do desenvolvimento marcada por tantos revezes para os adolescentes, pais e educadores. Ao mesmo tempo em que o adolescente conseguia externalizar suas angústias constatou-se uma melhora na convivência com seus pares e professores além, de uma melhora no processo de aprendizagem, resultando em aumento na parendizagem e diminuição da violência escolar. Pode-se constatar que ter um espaço onde eles puderam falar livremente de seus problemas e serem ouvidos sem julgamentos e expectativas liberou um espaço, o qual antes estava repleto dessas angústias, em espaço de desejo de aprender.A fala liberta emoções aprisionadas, ou seja, no momento em que são nomeadas e reconhecidas essas emoções liberam a energia necessária para o desejo de aprender. Nesse instante o objeto de conhecimento se torna uma via de manifestação saudável da energia que o adolescente tem de sobra e muitas vezes, não sabe onde ou como utilizar (Mota, 2011).A escola, dessa forma, se configura como espaço institucionalizado para uma escuta que tem uma ação terapêutica uma vez que alcança a fala do sujeito de maneira espontânea e contextualizada. Entenda-se aqui o espaço de escuta onde em qualquer lugar dentro da escola o educador se preste a ouvir o aluno sem atuar. Trata-se de se colocar numa posição de receptor dessa mensagem sem, no entanto, se afetar por ela.Cabe a escola resgatar esse sujeito-aprendente por meio de uma intervenção educativa que leve em conta a subjetividade desse aluno, principalmente dos alunos adolescentes com problemas de aprendizagem. Ignorar isso é desperdiçar a oportunidade de exercer com eficiência o ato de educar, visto que quando o aluno comparece ao espaço escolar este vem imbuído de seu avesso e, este nos fala, mais imediatamente que o próprio sujeito. É preciso auscultar esse avesso, ou seja, nos colocarmos numa posição de escuta para que este se manifeste nas entrelinhas do seu discurso desconexo e/ou comportamentos bizarros que nada mais são que uma tentativa de mostrar que ali mora um sujeito o qual merece respeito e consideração (Pereira, 1998).O espaço de escuta pode se constituir como um lugar onde o adolescente possa se manifestar sem julgamentos para isso o professor tem que procurar entender que a sua fala é endereçada a alguém que ele representa como figura de autoridade e não a sua própria pessoa. Nesse sentido a Psicanálise pode contribuir para esse esclarecimento comenta que de posse dessa informação os educadores poderiam reduzir a coerção e dirigir de forma mais proveitosa a energia que move essas pulsões. Nesse caso, a educação faria o trabalho de redirecionamento dessa energia libidinal para fins educativos, resultando na sublimação da mesma Kupfer, (1997).Dessa forma, concluiu-se que a Psicanálise pôde contribuir sobremaneira para o campo da educação, uma vez que aquela, ao possibilitar a liberação de emoções aprisionadas, liberou, por sua vez, espaço para o desejo de aprender, contribuindo para o processo de aprendizagem. Ou seja, é preciso criar espaços de escuta, onde o “avesso” do adolescente manifeste-se por meio da palavra, a qual, traduz-se na anunciação do próprio sujeito.