O mundo maravilhoso dos animais nos contos de Mia Couto: mitos, ritos e mistérios

O presente trabalho propõe-se fazer uma reflexão sobre o maravilhoso na narrativa breve de Mia Couto, em especial sobre o papel central dos animais e a forma como estes interagem com os deuses e os antepassados, revelando-se os tradutores das suas palavras, das suas mensagens, junto dos vivos. Vagueando entre o real e o onírico, entre a vida e a morte, sofrem metamorfoses, indicam presságios, participam nos feitiços da comunidade, estabelecendo, assim, pontes entre a tradição e a modernidade. No primeiro capítulo, pretendemos apontar as diferentes fases da literatura moçambicana e as suas principais linhas, nela inserindo a obra de Mia Couto. No segundo capítulo, tentámos traçar o percurso de vida do escritor, desde a sua infância, passada na Beira até aos dias de hoje e abordámos, de forma breve, o percurso histórico-geográfico do conto e a sua importância no continente africano, onde o conto oral busca as suas raízes nas origens mais profundas das culturas africanas. No terceiro capítulo, partindo do conceito de “fantasia literária”, esboçámos uma aproximação teórica do maravilhoso, incidindo sobretudo na sua faceta de sobrenatural aceite e naturalizado e na sua articulação com o natural e o real. Refletimos sobre a importância do mito na construção da história e da identidade dos povos, concretamente no continente africano. Ainda neste capítulo, abordámos a importância e a simbologia dos animais neste continente. No capítulo quarto, analisámos o papel e a importância dos animais presentes nos contos, partindo da visão do mundo que o maravilhoso encerra e que nos remete para uma representação literária do imaginário tradicional dos vários povos que constituem o mosaico moçambicano. O maravilhoso torna-se assim um processo através do qual se afirma a identidade, se constrói a moçambicanidade, recuperando os ritos, as crenças e as conceções do mundo, marcados pelo mito e pelo sagrado. This work proposes to reflect on the marvellous in Mia Couto's short narrative, in particular on the central role of animals and the way they interact with Gods and ancestors, revealing themselves as the translators of their words, of their messages, to the living. Wandering between the real and the oneiric, between life and death, they undergo metamorphoses, indicate omens, participate in the community's spells, thus establishing bridges between tradition and modernity. In the first chapter, we intend to point out the different phases of Mozambican literature and its main lines, including the work of Mia Couto. In the second chapter, we tried to trace the writer's life path, from his childhood, spent in Beira to the present day, and briefly discussed the historical-geographic path of the short story and its importance in the African continent, where the oral tale seeks its roots in the deepest origins of African cultures. In the third chapter, starting from the concept of “literary fantasy”, we sketched a theoretical approach to the marvellous, focusing mainly on his dimension of the accepted and naturalised supernatural and articulation with the natural and the real. We reflect on the importance of myth in the construction of the history and identity of peoples, specifically on the African continent. Also in this chapter, we discussed the importance and symbolism of animals on this continent. In chapter four, we analyse the role and importance of animals present in the tales, starting from the vision of the world that the marvellous encloses and which leads us to a literary representation of the traditional imagination of the various peoples that make up the Mozambican mosaic. The marvellous thus becomes a process through which the identity is affirmed, the Mozambicanity is built, recovering the rites, beliefs and conceptions of the world, marked by myth and the sacred.