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João Arroyo (1861-1930) -- O Homem e a Obra. Dimensão Cívica e Atividade Music.

Authors :
Rigaud, João-Heitor
Source :
Revista da Faculdade de Letras: História. 2013, Vol. 3, p237-239. 3p.
Publication Year :
2013

Abstract

O conselheiro João Marcelino Arroyo foi um portuense dotado de grande riqueza intelectual, cuja ação se manifestou no Direito, na política e na música com uma originalidade e um vigor que deram apreciável contributo para o enriquecimento do património coletivo nacional. Por vezes controverso e sempre combativo, João Arroyo caracterizou-se, na generalidade das suas realizações, por uma atitude perfecionista que teve como resultado a profundidade e o alcance que a sua multifacetada obra apresenta. Deste modo, em 1905, a Ilustração Portuguesa considerou oportuno homenagear o político dedicando-lhe a capa onde, a acompanhar uma excelente fotografia da autoria de Augusto Bobone, se inseria um pequeno mas expressivo texto que elucidava as razões que haviam presidido a esta opção do editor: Arroyo era um hábil político e um dos maiores oradores portugueses. Em 1907 voltaria à capa desta revista que prestava tributo ao talento musical que, desde o ano anterior, vinha, publicamente, revelando. João Arroyo era conhecido pela sua incansável atividade parlamentar, pela ação ministerial, pela eficácia da atuação conjunta com Hintze Ribeiro e João Franco ao longo dos últimos quinze anos do século XIX e, a partir do início do século seguinte, ficou ainda conhecido pela preciosa coleção de obras de arte e pelas receções que dava em sua casa, onde reunia membros do Corpo Diplomático, do Parlamento e do Governo, jornalistas de todas as fações políticas e numerosos artistas. A partir de 1906 tornaram-se famosas as reuniões que organizou no palacete da Rua de Santo António dos Capuchos, verdadeiras conferências de imprensa em que o anfitrião patenteava o seu talento musical e as mais recentes obras que produzira. Nos últimos anos da Monarquia, João Arroyo, monárquico convicto, era encarado como um caso de estudo por todos aqueles que com ele contactavam. Nas primeiras décadas de novecentos, estudar a obra e a ação de tal personalidade revelou-se uma urgência para publicistas como, entre tantos outros, Carlos Malheiro Dias, Alfredo Pinto, Paulo Osório, Augusto de Vasconcelos ou Trindade Coelho que, aliás, pouco mais fez do que repetir o que vinte anos antes D. António da Costa escrevera. Em estudos históricos, o nome de João Arroyo foi evocado por Rocha Martins na biografia de D. Carlos, tendo, por outro lado, aparecido nas clássicas obras memorialistas de Raul Brandão, António Cabral e António Maria da Silva que, ao contrário de outras e por razões diversas e complexas, contribuíram para difundir ideias que não se coadunavam com a realidade. Note-se ainda que a obra do professor catedrático João Arroyo no campo das Ciências Jurídicas lhe valeu a eleição para a Academia das Ciências de Lisboa. Porém, Arroyo não foi o produto ocasional de uma feliz convergência de manifestações fortuitas da natureza, mas também o resultado do meio em que nasceu. Herdou uma tradição sólida e desenvolveu-a de acordo com as suas capacidades, tendo como referência o meio de origem, ao serviço do qual nunca deixou de se sentir. Deste modo, a partir de 1844, pelo menos, os Arroyo passaram a ser presença assídua nas páginas da imprensa periódica do Porto e Lisboa, que foram noticiando e comentando a par e passo a actividade e os acontecimentos relativos a esta ilustre família. Assim, a leitura e análise de numerosas publicações periódicas tornou-se fundamental para investigar esta figura e entender o alcance das suas intervenções, situação que veio a ser alargada, no início do século XX, com a internacionalização do sucesso artístico de João Arroyo, primeiro nos países da Europa central e, depois, embora menos significativamente, na América do Sul. Em Hamburgo foi possível encontrar dois documentos fundamentais. Um deles, pertencente ao espólio do que resta do arquivo do Stadttheater (Staatsoper), para além de dar a conhecer o nome de todos os artistas e técnicos que participaram nas apresentações da ópera Amor de Perdição nesse teatro, em 1910, responde à questão fundamental que é saber qual foi o estatuto destas apresentações, isto é, se se tratou de apresentações integradas na programação regular da temporada ou se, pelo contrário, esta ópera foi apresentada por cedência das instalações para fins privados. Pôde, deste modo, concluirse com toda a segurança que o Amor de Perdição foi integrado na programação da temporada regular de assinatura e que alternou com a ópera de Mozart, D. Giovanni, um confronto do qual, a avaliar pela crítica, a peça do compositor português não saiu diminuída. Quanto ao segundo documento, trata-se de um recorte de jornal que integra a coleção de documentos teatrais da Faculdade de Letras da Universidade Hamburgo, e contém a importante crónica que Ferdinand Pfohl publicou sobre estas apresentações no Hamburger Nachrichten. O conhecimento do texto integral desta crónica reveste-se da maior importância porque revela, circunstanciadamente, qual a ideia -- partilhada por outros -- que o ilustre crítico, pessoa culta e músico de grande valor, tinha de Portugal, país pelo qual não nutria consideração, e, por consequência, como encarava Arroyo em relação às suas origens. Segundo o crítico, se Portugal era um país inexistente como nação civilizada, João Arroyo era um caso surpreendente de sucesso porque era educado, culto, talentoso e artista, qualidades cuja origem intrigavam o crítico e que atribuía ao cosmopolitismo de uma personalidade viajada. Por isso, com o objetivo de ilustrar o respeito que a obra do músico português lhe causava, recorreu ao Tristan und Isolde, de Wagner, e, estabelecendo uma comparação de grande ousadia para um espírito alemão da época, concluiu que um artista como Arroyo fazia viver a cultura de qualquer país, fosse ele Portugal, o que era fácil, em sua opinião, ou, até mesmo, a Alemanha, país que considerava culturalmente riquíssimo. Quer pela extensão quer pela profundidade, este paradigmático texto é significativo do acolhimento que foi dispensado a João Arroyo na Europa de língua alemã do início do século XX, sendo, no entanto, de notar que se observa uma considerável diferença entre as crónicas publicadas no Norte e as que apresentaram os jornais do Sul, bem menos desagradáveis para com a Nação portuguesa. Em resultado da sua obra e notoriedade, é natural que João Arroyo tivesse passado das páginas da imprensa periódica para as dos livros e dicionários enciclopédicos. O autor que primeiro refletiu sobre João Arroyo foi D. António da Costa que, no seu livro Auroras da Instrução pela Iniciativa Particular, publicado no início da década de 1880, lhe dedicou um pormenorizado capítulo, tendo como ponto de partida a fundação do Orfeão Académico de Coimbra que considerava especialmente relevante para o futuro do ensino em Portugal. Já no início do século XX, Carlos Malheiro Dias, nas Cartas de Lisboa, escreveu páginas onde abordou, com grande sagacidade crítica, a oratória parlamentar de Arroyo e descreveu o panorama do colecionismo de arte lisboeta em que ele se notabilizara. Neste início de século, outros autores se referiram a João Arroyo, sendo de destacar Brito Camacho que, surpreendentemente, no meio de uma extensa reflexão sobre a savana africana, dedicou uma página a explicar a origem do seu relacionamento com o músico, uma explicação que, aliás, é relevante para o entendimento cabal da atenção que o seu jornal, A Luta, lhe dedicou. Os dicionários enciclopédicos, desde os mais antigos, fornecem informação correta e fiável acerca dos Arroyo, situação menos evidente no Dicionário de Música, de Tomás Borba e Fernando Lopes-Graça, e no Dicionário Biográfico Parlamentar, publicado sob a coordenação de Filomena Mónica, cuja entrada sobre João Arroyo contém algumas ideias influenciadas pela tradição e que se afiguram, hoje em dia, pouco justas. De referir, ainda, a publicação de duas pequenas obras de divulgação sobre João Arroyo. Uma da autoria de Rodrigo Veloso e a outra, datada de 1941, de Júlio Eduardo dos Santos, que foi escrita no curto espaço de algumas semanas com o intuito de esclarecer o público lisboeta acerca da vida e obra de uma personalidade já então esquecida e cuja música estava em vias de voltar a ser apresentada, em Lisboa, no Teatro de S. Carlos. Observa-se, então, que, desde há anos, os historiadores vêm sentindo a força da presença de João Arroyo nos seus estudos mas, no entanto, se excetuarmos, a História de Portugal, de Joaquim Veríssimo Serrão, e a biografia de D. Carlos elaborada por Rui Ramos, onde os respetivos autores procuraram interpretar o papel de Arroyo, a investigação histórica atual revela tendência para se satisfazer com a simples evocação do nome sem apresentar qualquer razão que justifique a necessidade de o fazer. Conclui-se, portanto, que João Arroyo é uma figura incontornável dos círculos políticos e culturais no período cronológico referido. Esta tese, ao analisar a atuação de Arroyo no campo político, jurídico e musical, contextualiza a ação e aprofunda o entendimento do papel de uma personalidade polémica mas de inquestionável relevância. [ABSTRACT FROM AUTHOR]

Details

Language :
Portuguese
ISSN :
0871164X
Volume :
3
Database :
Academic Search Index
Journal :
Revista da Faculdade de Letras: História
Publication Type :
Academic Journal
Accession number :
94334687