Constantim de Panoias, mercê da sua localização estratégica e da outorga de foral pelo conde D. Henrique e D. Teresa foi sede administrativa de um vasto território, durante quase duzentos anos, tendo o seu poder e importância sucumbido com a criação do concelho medieval de Vila Real. A conjuntura político-administrativa do Portugal nascente e as características geográficas e climáticas pouco atrativas seriam determinantes para o processo de povoamento, organização e aproveitamento económico da região. A análise preliminar do acervo documental disponível, as inquirições gerais e outros diplomas régios emanados sobretudo da administração central, determinou o estudo da organização de uma importante área geográfica da região transmontana e duriense, designada nas Inquirições de 1220 e 1258 como Terra e Julgado de Panoias, respetivamente. A informação constante nas Inquirições de 1258, relativa à organização humana e à extensa rede de topónimos e microtopónimos com os quais elaboramos a cartografia da região, apesar de fragmentada e lacunar, alicerçou e estruturou a nossa investigação. Por isso, o nosso objetivo primordial assentou na reconstituição do espaço do Julgado de Panoias, em meados do século XIII, através da interpretação das dinâmicas responsáveis pela sua formação, organização e crescimento, nomeadamente no que respeita à organização fundiária e direitos senhoriais, ao processo de implantação humana, à organização e transmissão do poder do rei e seus oficiais, ao incremento da organização senhorial na região, com o alargamento dos domínios eclesiásticos e da nobreza senhorial do Entre-Douro-e-Minho e, não menos importante, à produção agrícola e recursos económicos, uma vez que estes refletem muito o modus vivendi de uma população rural. Uma vez delineado o nosso espaço de observação e definido o acervo documental, procedemos, tanto quanto possível, à elaboração de uma base cartográfica, à contextualização histórica do Concelho de Constantim e sua jurisdição administrativa e à reconstituição da paisagem agrária do Julgado de Panoias. Neste processo foram surgindo diversas perspetivas de análise e múltiplos problemas, criando espaço para questões em aberto ou de interpretação duvidosa. No entanto, e apesar do caráter provisório e incompleto dos resultados alcançados, o estudo detalhado do património fundiário e seus detentores permitiu-nos traçar um retrato aproximado da paisagem agrária de Panoias, em meados do séc. XIII, e conhecer alguns aspetos ligados à malha dos diversos poderes instituídos. As terras de Panoias abrangiam, em 1258, uma extensa área geográfica que, grosso modo, estava limitada pelos rios Tua e Douro e por várias cristas montanhosas, de que se destacam as serras do Alvão e Marão. Constantim de Panoias, apesar da sua feição rural, constituía um polo económico estratégico, uma "povoação de mercadores e artífices", onde se realizava uma feira e, por conseguinte, se promovia o desenvolvimento do comércio e a economia monetária nesta fração do reino. As inquirições gerais e os sucessivos forais e cartas de povoamento outorgados às terras além Marão comprovam a particular atenção dada pelos nossos primeiros governantes ao povoamento e organização administrativa da região trasmontana, cujo início nos leva até ao período condal. Tais documentos refletem a extrema necessidade de povoar as terras conquistadas, organizar o território e dele tirar proventos económicos e afirmar a autoridade do monarca sobre o reino através da consolidação das suas fronteiras. No que respeita ao processo de colonização humana, verifica-se que o povoamento transmontano, próprio de planaltos de solo pobre, moderadamente secos e frios, se estruturou a partir de unidades de povoamento aglomerado, as villae. O isolamento e a aspereza planáltica destas terras e as necessidades prementes de povoamento e proveito económico ditaram a concessão de terras ad forum ou ad populandum ad forum a pequenos proprietários, através de contratos agrários de índole enfitêutica, sob a forma de contratos perpétuos e hereditários. As Inquirições de 1258 dão-nos conta de uma enorme variedade de tipos de propriedade, designadas de acordo com as suas aptidões específicas. A unidade básica da exploração agrária era o casal, que se estruturava a partir do centro da localidade. A população tendia a concentrar-se nas villae, muitas vezes repartidas entre o rei e outros senhores, onde se instalavam vários poderes que propiciavam numerosas e sucessivas disputas de terra e conflitos entre os vários grupos sociais. O património rural do Julgado de Panoias achava-se repartido pelo rei, instituições eclesiásticas, nobreza e pequenos proprietários alodiais, verificando-se constantes transferências de propriedade agrária provocadas, muitas vezes, por vendas forçadas e usurpações que permitiam a ampliação dos bens dos grupos privilegiados, em prejuízo direto do fundo dominial da coroa e dos pequenos proprietários. A paisagem agrária estava em constante transformação, visível nas ações de povoamento levadas a cabo em muitos locais, com o correspondente arroteamento dos terrenos. As inquirições informam que a crescente degradação dos bens da coroa envolveu circunstâncias político-administrativas. Os diferentes monarcas concederam grandes coutos e honras a instituições religiosas e aos "cavaleiros", em especial, às sés de Braga e de Lamego e ao mosteiro de Pombeiro, que muito contribuíram para a organização do território. Sabemos que os mosteiros, as dioceses e as igrejas locais, no seu conjunto, eram os maiores proprietários da região e possuíam extensos domínios, os quais, além de não sofrerem a ação erosiva das partilhas, eram ampliados à custa de abundantes doações piedosas. O envolvimento ativo no povoamento da região de algumas famílias da velha nobreza senhorial, designadamente, as de Sousa, Bragança, Baião e Maia, permitiu-lhes a implantação de núcleos patrimoniais que progressivamente foram ampliando por meio de compras, doações, alianças matrimoniais, usurpações e permutas, necessárias à reorganização das suas terras. Esta expansão dominial não foi alheia à detenção de cargos públicos na corte e a nível regional, pelos ricos-homens e cavaleiros. Quanto à propriedade vilã, as inquirições de Panoias enunciam apenas as alienações feitas pelos foreiros do rei. No entanto, é revelada organização comunitária e autonomia dos homens do concelho de Constantim na defesa das terras do concelho. A vida comunitária fortalecia o poder dos pequenos proprietários, além de aliviar a rudeza do trabalho agrícola de que dependiam para fazer face às imposições senhoriais. Nos foros e rendas a solver pelos pequenos proprietários encontram-se produtos agrícolas, serviços individuais e comunitários, o ferro e uma quantia fixa em numerário. O quadro que acabámos de sintetizar esboça, em termos gerais, a organização patrimonial do território e os seus principais detentores, o qual está diretamente relacionado com as transformações político-administrativas ocorridas na centúria de Trezentos. Da análise comparativa das inquirições afonsinas sobressaem diferenças significativas quanto ao rastreio dos bens fundiários. A natureza dos inquéritos de 1258 e a confrontação de dados com os instruídos em 1220 permitiu-nos considerar que as inquirições de D. Afonso III não levantaram sistematicamente a propriedade fundiária de Panoias, régia ou privada, tendo-se limitado apenas a denunciar a transferência de património, por venda ou doação, mas, sobretudo, por usurpação dos bens e direitos da coroa, mercê de pressões senhoriais e pela falta de cumprimento das normas estabelecidas. Além das usurpações violentas de bens, são denunciados contratos agrários danosos para a coroa e a crescente fuga ao pagamento dos foros e rendas. Isto demonstra que D. Afonso III tinha conhecimento da crescente degradação do seu património, da consolidação do processo de senhorialização nas terras transmontanas, à custa dos bens régios, e dos abusos cometidos pelos grupos privilegiados sobre os pequenos proprietários, foreiros e seus oficiais. O propósito de controlar aquela região estava já patente na reorganização administrativa da antiga Terra de Panoias que surge, em 1258, fragmentada em cinco julgados, frações administrativas de menor dimensão, o que propiciava uma maior redistribuição dos poderes locais. Estas reflexões levam-nos a entender as inquirições como um instrumento jurídico, de grande abrangência, que permitiu avaliar o nível a que tinha chegado a degradação dos domínios da coroa e, ao mesmo tempo, perceber a dimensão dos poderes instituídos. Comprovados, de forma inequívoca, a diminuição progressiva dos seus direitos e o enfraquecimento do poder local, o rei justificava a sua intervenção direta na região, a qual se materializou na criação do concelho medieval de Vila Real, processo complexo que se iniciou com a outorga de um foral em 1272, mas que só viria a consolidar-se no reinado de D. Dinis, depois da concessão de dois novos diplomas régios. Este novo centro político-administrativo haveria de decretar o esvaziamento dos poderes e prerrogativas dos concelhos e comunidades circundantes. As numerosas cartas de foral, aforamentos coletivos ou, simplesmente, meros contratos agrários individuais citados nas inquirições comprovam a importância do documento escrito e a preocupação do rei em ordenar o território e rentabilizar as terras sob sua jurisdição. Neste sentido, impõe-se destacar a evidente afirmação do poder régio sobre as terras de Panoias, que, numa primeira fase, concedeu patrimónios e prerrogativas diversos aos diferentes colonizadores, para, mais tarde, recuperar a sua soberania que justificou com os sucessivos abusos cometidos. [ABSTRACT FROM AUTHOR]