Este trabalho visa analisar fragmentos elegíacos de poetas gregos do período Arcaico que evocam a narrativa de mitos e acontecimentos históricos de modo preponderante. Nesse sentido, busca-se avaliar o papel que a elegia poderia ter na transmissão de conteúdo histórico e tradicional nesse período da Grécia Antiga. Essa investigação é motivada em grande parte pelas relativamente recentes descobertas e edições de papiros contendo fragmentos elegíacos de Simônides de Ceos – obtidos a partir do Papiro de Oxirrinco 3965, editado pela primeira vez em 1992 por Peter Parsons; e de Arquíloco de Paros – obtido a partir do Papiro de Oxirrinco 4708, editado por Dirk Obbink (2006). O papiro de Simônides de Ceos, em especial, reacendeu a perspectiva de que a elegia grega arcaica poderia conter seções narrativas mais extensas do que se imaginava anteriormente. Essa possibilidade havia sido expressa de modo mais incisivo por Ewen Bowie, no artigo “Early Greek Elegy, Symposium and Public Festival” em 1986, que considerava o festival público como um contexto próprio para a apresentação de elegias, no qual poderiam ser apresentadas elegias longas e narrativas. Sua proposta, porém, era baseada apenas em fontes secundárias da antiguidade, não havendo até então nenhum exemplo concreto de uma elegia ou de um fragmento elegíaco claramente narrativo. Porém, o fr. 11 W de Simônides – um dos encontrados no Papiro Oxirrinco 3965 – traz o princípio de uma elegia aparentemente abordando a Batalha de Plateias, um evento decisivo para os gregos nas Guerras Médicas. Esse fragmento contém ainda uma invocação a Aquiles, às Musas e o que parece ser o início de uma narrativa relatando essa batalha. Já o fr. 17(a) Swift de Arquíloco – obtido a partir do Papiro de Oxirrinco 4708 – apresenta uma narrativa mais incerta em relação à sua inserção na economia geral do poema, tratando do episódio mítico do desembarque dos aqueus na Mísia. Esse episódio se daria antes da Guerra de Troia em um momento em que os gregos, desviados de seu caminho para Troia, desembarcam na Mísia – reinada então por Télefo, filho de Héracles – e atacam a região, pensando se tratar de Troia. Esses dois fragmentos abrem, portanto, a possibilidade de reler outros fragmentos elegíacos que poderiam estar inseridos em poemas narrativos. Apoiando-se nos conteúdos dos fragmentos ou em fontes secundárias, são abordados neste trabalho fragmentos que poderiam compor obras como a Esmirneida de Mimnermo, o Hino a Zeus de Calino de Éfeso e a Eunomia de Tirteu. Além disso, são abordados também poetas cuja evidência de autoria de elegias narrativas é mais incerta, como Xenófanes, Sacadas de Argos, Paníassis de Halicarnasso, Íon de Quios, Semônides de Amorgos, Clonas de Tegeia, Árdalo e Meles de Cólofon. Assim, a partir da tradução e do comentário desses fragmentos, propõe-se uma síntese das possibilidades temáticas da elegia narrativa e das ocasiões de performance em que esses poemas poderiam ser apresentados. This work seeks to analyze elegiac fragments of Greek poets of the Archaic period that evoke the narrative of myths and historical events in a preponderant manner. In this way, it aims to evaluate the role that elegy might have had in the transmission of historic and traditional content in this period of Archaic Greece. This investigation is motivated, in a great extent, by the relatively recent discoveries and editions of papyri containing elegiac fragments of Simonides of Ceos – obtained through the Oxyrhynchus Papyrus 3965, edited for the first time by Peters Parsons in 1992 – and Archilochus of Paros – obtained through the Oxyrhynchus Papyrus 4708, edited by Dirk Obbink (2006). The papyrus of Simonides, in particular, revived the perspective that Archaic Greek elegy might contain narrative sections longer than what was previously conceived. This possibility had been expressed in a more incisive manner by Ewen Bowie, in the article “Early Greek Elegy, Symposium and Public Festival” of 1986, which considered the public festival as a genuine context for the performance of elegies, and that long narrative elegies could be performed in it. Bowie’s proposition, however, was based solely on secondary sources, as there was no concrete example of an elegy or an elegiac fragment with clear narrative content. Nonetheless, the fr.11 W – one of those obtained through the Oxyrhynchus Papyrus 3965 – contains the beginning of an elegy apparently detained on the Battle of Plataea, a decisive event for the Greeks in the Greco-Persian Wars. This fragment also has an invocation to Achilles, the Muses, and what seems to be the beginning of a narrative of the battle. The fr. 17(a) Swift – obtained through the Oxyrhynchus Papyrus 4708 – has a narrative section more uncertain in relation to its insertion in the general economy of the poem, which presents the mythical episode of the landing of the Achaeans on Mysia. This episode occurs before the Trojan War when the Greeks, deviated from their path to Troy, land on Mysia – then governed by Telephus, son of Herakles – and attack the locals supposing it was Troy. These two fragments, thus, open the possibility of reading other elegiac fragments that could also be within narrative poems. Based on the content of these fragments and secondary sources, fragments are studied in this work that could be part of works such as the Smyrneis of Mimnermus, the Hymn to Zeus of Calinus of Ephesus, and the Eunomia of Tyrtaeus. Besides, poets whose evidence of authorship of narrative elegies are also considered, such as Xenophanes, Sacadas of Argos, Panyassis of Halicarnassus, Ion of Chios, Clonas of Tegea, Ardalos and Meles of Troezen. Hence, by the translation and the commentary of these fragments, a synthesis of the thematic possibilities of the narrative elegy is proposed, as well as of the occasions of performance in which these poems might have been presented.