Num texto publicado há cerca de 25 anos, Mariano Enguita, numa visão crítica sobre “o discurso da qualidade e a qualidade do discurso”, observa que, “Se existe hoje uma palavra em moda no mundo da Educação, essa palavra é, sem dúvida, qualidade”. E logo em seguida, acrescenta: “[…] todos coincidem em aceitar a qualidade da Educação ou do ensino como o objetivo prioritário ou como um dos poucos que merecem consideração” ( ENGUITA, 1997 , p. 95). Como observa Esteban (2008 , p. 6), “Qualidade é uma palavra polissêmica, plástica, que encerra virtualidades e positividades, expressa convergência de preocupações, permitindo a rápida construção de um consenso por criar a ideia de agregação em torno de compromissos comuns”1 . Contudo, e não obstante o consenso generalizado em torno deste “símbolo condensado” ( EDELMAN, 1964 ), como denuncia ainda Esteban, “Estas características ocultam o quanto suas diferentes acepções guardam possibilidades opostas e contraditórias de organização da escola como projeto social” (2008, pp. 6-7). Não surpreende, por isso, que, ao longo das últimas décadas, o discurso da qualidade tenha vindo a ser apropriado e convocado ao serviço de agendas muito diversas, umas de cariz mais mercantil, mais subordinadas às preocupações com a eficiência, a eficácia, a competitividade, a meritocracia e a excelência ( LIMA, 2017 ) e com os “rituais de distinção” ( TORRES; PALHARES; BORGES, 2017 ), outras colocando o foco na “qualidade democrática” da escola ( AFONSO, 2002 ), na sua dimensão “ético-política” ( PARO, 2000 ), na sua natureza histórica, polissêmica, multifatorial e socialmente referenciada ( ALMEIDA; BETINI, 2016 ; DOURADO; OLIVEIRA, 2009 ; FREITAS, 2007 ; WERLE; SCHEFFER; MOREIRA, 2012 ), outras ainda denunciando os apelos à qualidade como mais uma das muitas “‘ideologias de conveniência’ que nos fazem bem e reconfortam a nossa alma e a alma da Educação” ( ESTÊVÃO, 2019 , P. 223). Considerando a natureza pluridimensional da qualidade em Educação, Dourado, Oliveira e Santos (2007) sustentam que ela envolve a consideração de “dimensões extras e intraescolares”. De modo mais específico, estes autores desdobram as dimensões extraescolares em dois níveis: i) nível do espaço social; e ii) nível do Estado; e as dimensões intraescolares em quatro: iii) nível de sistema; iv) nível de escola; v) nível do professor; e vi) nível do aluno ( DOURADO; OLIVEIRA; SANTOS, 2007 , pp. 58-60). Não podemos, contudo, ignorar que, como adverte Levin (2002) , as quatro pontas da curta manta da qualidade (liberdade de escolha, eficiência, equidade e coesão social) coexistem em clara tensão e que, quando se puxa uma das pontas, as outras tendem a se contrair. Como afirma este autor, “Não existe nenhum sistema óptimo que garanta os máximos de resultados nos quatro critérios. Em última análise, a escolha depende das preferências específicas e dos valores transmitidos por intermédio das instituições democráticas”. O estudo extensivo, conduzido por Oliveira e Bauer (2017) , sobre a realidade brasileira é um bom exemplo das tensões entre as pontas da manta da qualidade. Como demonstram estes autores, tomando como base uma vasta gama de dados empíricos recolhidos no âmbito das avaliações em larga escala, as escolas que mais evoluíram nos resultados médios nessas avaliações foram as que, simultaneamente, apresentaram um “índice de desigualdade de desempenho intraescola” mais elevado. Como afirmam, ainda, os autores citados: “A conclusão mais forte e, ao mesmo tempo desafiadora do estudo, é que, consistentemente, constata-se que a melhoria das pontuações médias [da escola] está fortemente correlacionada com o aumento da desigualdade [intraescola]” ( OLIVEIRA; BAUER, 2017 , pp. 191-192). A “esquizofrenia da performatividade” ( SIMÕES, 2007 ) que se tem vindo a abater sobre boa parte dos sistemas educativos parece estar a inclinar o prato da balança da qualidade para o lado meritocrático, silenciando e invisibilizando outras excelências e, talvez mais importante, ignorando, como alerta Mijs (2016 , p. 19), citado por Lima (2017 , p. 211), que “a corrida meritocrática começa desde posições de partida não meritocráticas”. Continuar a trabalhar na construção de uma escola pública de qualidade para todos implica assumir a pluralidade de excelências e manter uma vigilância crítica sobre os potenciais “efeitos colaterais” que certas versões hegemônicas da qualidade podem induzir, até porque, como enfaticamente adverte Gentilli (1997 , p. 177), “‘qualidade’ para pouco não é ‘qualidade’, é privilégio”. Os textos que compõem este número da Ensaio, apesar de não terem sido selecionados com base na sua identidade temática, mas na sua diversidade, acabam por constituir variações em torno deste tema maior2 , nuns casos mais centrados nas dimensões intraescolares (os professores e a sua formação; os alunos, a aprendizagem, as tecnologias de ensino e a evasão escolar; as escolas e a sua liderança e avaliação), noutros dando visibilidade ao estado e às políticas públicas e seu impacto na equidade e na gestão da rede, partilhando dados e propondo grelhas de leitura e análise que constituem apontamentos relevantes para se pensar a qualidade em Educação nas suas diversas “declinações”, na sua multidimensionalidade e polissemia, contribuindo, assim, para densificar a reflexão em torno deste objetivo prioritário3 . Todos os textos aqui apresentados foram escritos em coautoria, envolvendo cerca de quatro dezenas de investigadores, com uma média de três autores por texto, com filiação institucional dispersa por mais de duas dezenas de instituições de ensino e investigação, e outras tantas unidades orgânicas de investigação, distribuídas por cinco países (Brasil, Portugal, Colômbia, Chile e Equador). Além da significativa diversidade de temáticas, destaca-se também a pluralidade de desenhos técnico-metodológicos, embora com dominância das abordagens qualitativas. Apresentamos, em seguida, uma breve síntese de cada um dos textos, com referência aos autores e à sua filiação institucional, à temática abordada, à trilha metodológica, aos principais eixos de análise e às principais “conclusões”. Este número da revista Ensaio abre com um texto de Menga Lüdke, professora emérita da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e de Ana Ivenicki, professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro, intitulado “Teoria e prática na formação de professores: Brasil, Escócia e Inglaterra”. Como destacam as autoras, o objetivo do texto consiste em discutir a formação de professores numa perspectiva internacional, estabelecendo o confronto entre três modelos: o inglês, o escocês e o brasileiro, e conferindo particular visibilidade à clássica e complexa questão da articulação entre “os componentes teóricos e práticos dessa formação”. Dessa análise comparativa, destaca-se a conclusão de que o modelo escocês, particularmente a variante BEd primary, é o que melhor assegura a interfecundação entre a “ciência dos autores” e a “ciência dos atores” ( BARROSO, 2001 ). A partir da literatura específica, as autoras discutem ainda a relevância da formação do “professor pesquisador”, produtor de conhecimento, intelectual, reflexivo, capaz de investigar a própria prática. Num registo mais propositivo, as autoras enfatizam também a necessidade de criar modos de cooperação entre as instituições de Ensino Superior e as escolas baseadas em relações horizontais, apresentando alguns exemplos em cursos potenciadores da produção e circulação de saberes entre as duas instâncias formadoras. Segue-se o artigo intitulado “Transtorno do desenvolvimento da coordenação: desconhecido por pais e professores”, da autoria de Viviane Santos, da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Mandaguari, José Vieira, da Universidad Católica del Maule (Chile), Vânia Souza, da Universidade Estadual de Maringá e de Luciana Ferreira, Universidade Estadual de Londrina. Como se esclarece logo a abrir o texto, “O estudo teve como objetivo analisar dificuldades de aprendizagem sob a perspectiva dos transtornos das habilidades motoras”. Como instrumentos de recolha de dados foram utilizados inquéritos por questionário aplicados a uma amostra constituída por pais e professores e foram ainda observadas crianças em idade pré-escolar. A partir da análise dos dados recolhidos, os autores puderam constatar que os pais e professores inquiridos revelaram um débil conhecimento do transtorno do desenvolvimento da coordenação (TDC), situação que pode levar, e frequentemente leva, à “culpabilização da vítima”, razão pela qual se torna imperativo, sustentam os autores, investir na sensibilização e na formação de pais e professores nesta problemática específica. No texto seguinte, intitulado “Processos de liderança no Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular”, uma equipe de professores/investigadores da Universidade da Madeira (Portugal), constituída por Nuno Fraga, Gorete Pereira, Ana Isabel Gouveia e Fernanda Gouveia, procura “desvelar”, a partir das narrativas de cinco diretores de escolas públicas do 1º ciclo (primeiros quatro anos do Ensino Fundamental), o modo como as escolas lideradas por esses dirigentes escolares se apropriaram das oportunidades induzidas por uma política educativa recente (o Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular – PAFC). A partir da análise de conteúdo das respostas dos cinco inquiridos, os autores concluem que os entrevistados percepcionam o PAFC como uma oportunidade para promover uma “mudança de paradigma”, substituindo o “currículo de tamanho único pronto a vestir” ( FORMOSINHO, 2007 ) por respostas educativas mais humanistas, contextualizadas, mais sensíveis às realidades locais e às especificidades dos destinatários. O estudo permitiu ainda concluir que diretores inquiridos se autorrepresentam como “líderes agressivos adaptáveis”, perfil que, pela sua capacidade de “transformar as ideias em ação”, na perspectiva dos autores, se perfila como o mais adequado para implementar o PACF. No artigo intitulado “A pesquisa brasileira em Educação sobre o uso das tecnologias no Ensino Médio, no início do século XXI, e seu distanciamento da construção da BNCC”, os pesquisadores Álvaro Júnior, professor do Centro Universitário Internacional Uninter, Fernando Almeida, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e Siderly Almeida, professora do Centro Universitário Internacional Uninter, discutem a complexa (des)articulação entre produção de conhecimento e políticas públicas, com foco particular na apropriação que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) faz dos resultados da investigação disponível para fundamentar as suas propostas para o uso das tecnologias digitais no Ensino Médio. A partir do estudo realizado, os autores identificam diversos “desalinhos conceituais” na BNCC, por confronto com a literatura disponível, que traduzem uma apropriação redutora da densidade (e controvérsia) teórica das dimensões em análise. Além desse empobrecimento teórico-conceitual, os autores desvelam ainda diversos “hiatos” na BNCC, por confronto com a literatura analisada e denunciam a concepção “tecnicista” da tecnologia digital adotada na BNCC. Do Rio Grande do Sul chega-nos mais um artigo que discute a problemática da formação de professores. Neste texto, intitulado “Organismos internacionais e as perspectivas para a formação de professores no marco da agenda de 2030”, as investigadoras Marília Morosini, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Egeslaine de Nez, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Vanessa Woicolesco, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, discutem as diretrizes de diversos organismos multilaterais para a formação de professores. Para o efeito, submetem a uma análise textual discursiva um corpus documental constituído por diversos documentos elaborados pelos organismos multilaterais contemplados. Da análise desenvolvida, as autoras concluem que a promoção de uma Educação inclusiva e de qualidade para todos pressupõe a assunção da cooperação internacional como um eixo estruturante para formação inicial e contínua de professores, sendo igualmente imperativas políticas que contribuam para a valorização social destes profissionais, criando condições de trabalho e de remuneração condignas. Segue-se mais uma colaboração de autores portugueses, agora com o texto intitulado “Políticas e práticas de avaliação externa de escolas: que espaços para a colaboração docente?” Neste texto, quatro professoras da Universidade Aberta (Portugal), Filipa Seabra, Marta Abelha, Susana Henriques e Ana Mouraz, exploram o modo como nas escolas da Educação não superior portuguesas se operacionaliza o trabalho colaborativo dos professores. Tomando como sustentação empírica os resultados da análise de conteúdo dos referenciais da avaliação externa das escolas iniciada em 2006, bem como dos relatórios das avaliações realizadas a partir de 2018 (3º ciclo da avaliação externa das escolas), as autoras procuram identificar a concessão de trabalho colaborativo presente nos documentos estudados. Como principais conclusões, as investigadoras destacam evidências da valorização transversal do trabalho colaborativo dos docentes, embora reconheçam também que o trabalho colaborativo “autêntico” e generalizado ainda constitui apenas uma terra prometida. No texto intitulado “Pode a inteligência artificial apoiar ações contra evasão escolar universitária?”, Wanderci Bitencourt, Diego Silva e Gláucia Xavier, docentes e investigadores do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), analisam a problemática da evasão de estudantes de cinco cursos de graduação do IFMG, com recurso à de Mineração de Dados Educacionais. O objetivo do estudo consistiu em construir um modelo dinâmico (sensível à variância ao longo dos vários períodos do curso) preditor do risco de evasão a partir da identificação das variáveis ( ex-ante e ex-post ao ingresso no curso) mais fortemente correlacionadas com este risco. A partir da análise dos dados relativos à evasão nos cinco cursos, objeto de estudo no período compreendido entre 2013 e 2019, os autores puderam identificar o modelo com maior capacidade preditiva do risco efetivo de evasão. Com base nos resultados do estudo, sustenta-se a necessidade de definir estratégias proativas capazes de mitigar risco de evasão, intervindo de forma precoce e seletiva logo no primeiro ano do curso. Assumindo o Ensino Médio como componente essencial das teias complexas do acesso ao mundo do trabalho e à cidadania, os investigadores Assis da Silva, do Instituto Federal de Pernambuco, e André Graciano, da Universidade Católica de Pernambuco, no texto intitulado “As políticas públicas de Educação: o caso do Ensino Médio na Região Nordeste do Brasil”, discutem a influência das políticas públicas na democratização do ensino. O estudo elege como arco temporal o período compreendido entre 1996 e 2018 e focaliza em particular a moldura jurídico-normativa constituída por alguns dos marcos legais fundamentais relativos à legislação educativa brasileira no período referido. Cruzando os resultados desta análise com os dados relativos às matrículas por dependência administrativa no Ensino Médio na Região Nordeste do Brasil, os autores concluem que “as políticas públicas de Educação fundamentadas na equidade são um fenômeno tardio e híbrido”, alertando ainda para a “guinada conservadora”, de matriz neoliberal, induzida pela Reforma do Ensino Médio de 2017. Elegendo as crianças que frequentavam a Educação Infantil como população-alvo, Karina Santos, Tiago Bartholo e Mariane Koslinski, investigadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no texto intitulado “A relação entre o desenvolvimento cognitivo e indicadores de comportamento e desenvolvimento pessoal, social e emocional na pré-escola”, analisam os fatores associados ao desenvolvimento cognitivo das crianças nesta fase inicial da escolaridade obrigatória. Através de um estudo longitudinal envolvendo 2.700 crianças matriculadas no 1º ano da pré-escola no município do Rio de Janeiro, os referidos autores procuraram identificar eventuais correlações entre o desenvolvimento cognitivo das crianças e variáveis relacionadas com o seu comportamento e com o seu desenvolvimento pessoal, social e emocional. A partir das várias modelações realizadas foi possível concluir, entre outros aspectos, que o déficit de atenção afeta negativamente o desenvolvimento cognitivo das crianças na entrada da escolaridade obrigatória, sobretudo em linguagem, e que o desenvolvimento pessoal, social e emocional apresenta uma correlação positiva moderada a forte com o desenvolvimento cognitivo, seja em linguagem, seja em matemática. Como referem os autores, estas conclusões têm relevantes implicações práticas para professores e para outros profissionais que trabalham com estas crianças. A incorporação das tecnologias da informação e comunicação (TIC) nos processos de ensino e de aprendizagem constitui o foco dos estudos desenvolvidos pelos investigadores Isabel Becerra e Kemel Ghotme, da Universidad de La Sabana (Colômbia), Artieres Romeiro, da Universidad Técnica Particular de Loja (Equador) e Lina Bernal, da Universidad Católica de Manizales (Colômbia). Nesses estudos, intitulados “Avaliação do processo educacional de gestão para a integração de modelos didáticos mediados pelas TIC: um estudo de múltiplos casos”, os autores analisam o efeito da implementação de modelos didáticos mediados pelas TIC nas práticas de Ensino em diversos contextos educacionais colombianos. Os dados foram recolhidos junto de uma amostra de 150 professores distribuídos pelas 15 instituições integradas no estudo. Das conclusões do estudo, os autores destacam que a gestão de projetos de inovação educacional favorece parcialmente a qualificação das práticas de ensino. No texto intitulado “Políticas públicas de planeamento da rede escolar em Portugal: evolução das responsabilidades e opções municipais”, os investigadores da Universidade de Coimbra (Portugal) Lúcia Santos, Joaquim Alcoforado e António Cordeiro põem em confronto as “lógicas de ação” de duas edições de políticas públicas de reorganização da rede escolar em Portugal. A primeira iniciada em 2003 e a segunda promovida a partir de 2015. A investigação, de natureza qualitativa e centrada na análise documental (cartas educativas e projetos educativos municipais), circunscreveu o estudo acerca de três dezenas e meia de municípios da Região Centro e do país. Da análise realizada sobressai a conclusão de que, da primeira para a segunda “geração” de políticas públicas para a reorganização da rede escolar, emerge novas lógicas municipais de ação que, na densa teia da “regulação vitruviana” ( BARROSO, 2017 ), confere maior protagonismo aos atores locais e às soluções contextualizadas, em detrimento da fidelidade normativa em relação às prescrições do governo central. No último artigo, intitulado “Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo: repercussões nas escolas e no Ensino de matemática”, Rosiane Lima, da Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo, e Lúcio Fassarella, da Universidade Federal do Espírito Santo, partilham conosco a sua análise e a sua reflexão sobre os impactos do referido programa nas escolas e nos processos de ensino e de aprendizagem, com recorte específico na disciplina de matemática. Neste artigo, os autores procedem a uma análise de referenciais normativas relevantes e realizam uma revisão da produção acadêmica que tomou o PAES como objeto de estudo. A partir da análise realizada, os autores concluem que este programa tem ficado aquém das expectativas, tendo mesmo produzido alguns efeitos, aparentemente, não desejados, desvirtuando o processo de avaliação dos alunos, condicionando a seleção dos dispositivos pedagógicos, empobrecendo o currículo ( teach to the test ) e desprofissionalizando os professores. Este número da Ensaio fecha com a seção “Página Aberta”, na qual é publicado o texto “Autoestima e motivação para aprender on-line: o caso de mulheres reclusas”. A partir de um estudo conduzido numa prisão feminina do norte de Portugal, as investigadoras Rita Barros (Instituto Piaget), Angélica Monteiro (Universidade do Porto) e Carlinda Leite (Universidade do Porto) desenvolvem uma análise centrada na autoestima e na motivação para aprender de uma amostra de 12 reclusas que participaram numa formação on-line na modalidade b-learming , procurando pôr em evidência associações estatisticamente significativas entre os dois construtos referidos e as diversas variáveis de caracterização da amostra contempladas no estudo. A recolha dos dados envolveu a aplicação de inquéritos por questionários construídos a partir de escalas de avaliação da autoestima e da motivação para aprender, complementada com o recurso a entrevistas. Como conclusão nuclear da investigação realizada, as autoras destacam que a aprendizagem on-line influenciou a autoestima e a motivação para aprender da população estudada. O conjunto dos artigos aqui apresentados, pela sua atualidade, pertinência, riqueza empírica e densidade teórico-conceitual, constituem um contributo oportuno para pensar a Educação e o modo de materializá-los, instigando-nos a questionar alguns nexos de causalidade subsumidos num certo senso comum pedagógico, a trazer para o palco principal, e para a arena do debate público, os sujeitos invisibilizados, a dessacralizar de determinadas “ideologias de conveniência”, a pluralizar a qualidade nas suas diversas “declinações”, a desconstruir a racionalidade técnica que sustenta boa parte das políticas públicas na área da Educação. Uma escola de qualidade para todos pressupõe não apenas a sua democratização quantitativa, mas também qualitativa. O alargamento da base social de recrutamento dos públicos escolares, tendo constituído uma conquista importante, não assegura, só por si, uma igualdade de acesso ao conhecimento relevante. Não podemos perder de vista que, como defende Nóvoa (2009 , p. 4), “Educar é conseguir que a criança ultrapasse as fronteiras que, tantas vezes, lhe foram traçadas como destino pelo nascimento, pela família ou pela sociedade”. Saber se as análises, reflexões e sugestões aqui partilhadas vão influenciar a definição das políticas públicas na área da Educação é algo que escapa ao controle do vasto conjunto de pesquisadores que colaborou neste número da Ensaio. Contudo, os dados da investigação disponível não nos deixam particularmente otimistas quanto ao uso do conhecimento produzido no âmbito das Ciências da Educação por parte dos formuladores das políticas. Na verdade, como destacam Barroso e Menitra (2009) , a propósito da relação entre conhecimento e ação públicas no âmbito da autonomia e da administração das escolas em Portugal, apesar da “racionalidade política baseada na ideia de que é necessário recolher primeiro informação para depois poder decidir”, o que frequentemente ocorre é que a “decisão é, no essencial, tomada primeiro e apenas a informação que é compatível com o que foi decidido é tida em consideração” (p. 96). O conhecimento disponível não é, portanto, ignorado pelos decisores políticos, sendo antes utilizado, de forma seletiva, para fins de credibilização e de legitimação das opções políticas, dando-lhes a aparência de estarem sustentadas em bases científicas e, portanto, acima de qualquer discussão.