É inquestionável que nos últimos anos a revolução tecnológica tem gerado profundas alterações nas relações laborais, em especial pela necessidade de atender a um mercado globalizado e com um nível de exigência cada vez mais elevado. Para os juslaboralistas, estes efeitos costumam ser sintetizados na palavra “flexibilização”. Vista de uma maneira simples, e dentro da perspectiva desta investigação, pode-se dizer que a flexibilização é responsável por profundas alterações na dinâmica do trabalho. Assim, a razão que leva o empregador à utilização dos meios tecnológicos de produção é a necessidade de competir em um mercado globalizado, que exige respostas mais precisas e principalmente mais rápidas que somente os meios tecnológicos têm capacidade de proporcionar. Sai o sistema estandardizado e entra um novo modelo que se apoia em uma produção diversificada, tomando o principio da eficiência econômica como parâmetro que garante a necessária internacionalização da produção e a busca de outros mercados consumidores. Torna-se imperiosa a adaptação da organização laboral a favor da flexibilidade. Brota, então, a necessidade de renovação infinita de infraestruturas e programas, mudança dos costumes laborais e descentralização produtiva (outsourcing) como premissa necessária para a preservação da competitividade no mercado de trabalho, e que desemboca, esta última, nos sempre questionados processos de terceirização (quarteirização etc.) de parcelas da atividade produtiva. Neste contexto, como um dos principais instrumentos desta nova relação laboral, gerado a partir da revolução tecnológica, pode-se considerar o correio eletrônico como um meio de comunicação de grande relevância, porém gerador de intensa controvérsia. Os dados estatísticos comprovam que há uma utilização recorrente do e-mail nas relações comerciais (por ser uma comunicação barata, rápida, precisa e segura). Por outro lado, não são poucas as queixas sobre seu uso indevido e abusivo por parte dos trabalhadores no contexto de suas relações laborais. A reação natural, por parte dos empresários, a estes abusos foi a adaptação de seus mecanismos de controle e fiscalização. Assim, para combater estes problemas gerados pelas novas tecnologias de informação, em particular o e-mail, os meios de fiscalização terminam por ser, muitas vezes, mais invasivos na esfera íntima do trabalhador. Em geral, à medida que o trabalho ganha complexidade e se torna cada vez mais heterogêneo, a fiscalização da produção necessita revisar seus métodos, passando a se valer o empregador de meios de fiscalização igualmente complexos, heterogêneos, flexíveis e, por consequência, invasivos, como vídeos, inspeções íntimas de trabalhadores, verificação das páginas da web vistas nos postos de trabalho. Nesse contexto em que a produção não responde a padrões facilmente fiscalizáveis, se impõe um maior nível de confiança no trabalhador. Na ausência dessa fidúcia, ela vem sendo suprida por mecanismos de fiscalização, denominados “controles defensivos” pela doutrina laboral italiana, que permitam ao empregador estabelecer um perfil do empregado ou empregada contratada. Neste contexto o correio eletrônico dos empregados se converte em um novo objeto de controle, para cuja adoção se apela, especificamente, à necessidade de garantir a proteção dos sistemas informáticos, a produtividade, a proteção à propriedade intelectual e a qualidade do labor prestado. É precisamente o uso massivo desse meio de comunicação nas relações comerciais e os abusos gerados por ambos os lados da relação laboral, no uso do correio eletrônico por parte do empregado, e no controle de seu uso por parte do empregador, o que suscita a necessidade de investigar até onde chegam as possibilidades de intervenção do empregador no correio eletrônico do empregado. O estudo que se segue consiste em uma análise comparativa dos sistemas jurídicos brasileiro e espanhol neste ponto. Os paralelos entre os ordenamentos, em especial em seu viés constitucional, não constitui novidade, mormente quando se leva em conta a influência que as constituições espanholas nos últimos 180 anos tiveram sobre os seus correlatos textos no Brasil. Não são poucos os estudiosos que assinalam esta influência, ao longo da história, bem como os estudos que apontam discrepâncias e pontos de convergência entre os sistemas constitucionais dos dois países. Bonavides, em artigo em que apresenta 3 (três) momentos de transição constitucional brasileira em que o país se valeu da experiência constitucional e de fatos relevantes ocorridos na Espanha, aborda a matéria com percuciência, enfatizando a semelhança entre os atuais textos constitucionais. A esse respeito, o autor assevera que “há surpreendentes traços de similitude ou analogia e até mesmo identidade dos dois processos institucionais de transição que envolveram o regime político de ambos os países na passagem da ditadura à democracia. A transição brasileira, conforme se observa das datas comemorativas ocorreu dez anos depois da espanhola, mas recebendo um poderoso influxo, como veremos, do modelo estreado na península ibérica e garantido ali em sua execução, segundo nos parece, pelo bom êxito alcançado com a celebração dos pactos de Moncloa.” No mesmo diapasão, Da Silva, em ensaio no qual oferta visão histórico-comparativa das constituições da Espanha e do Brasil, enfatiza pontos de convergência e de divergência em ambos os textos. Segundo o autor, abordando os trabalhos realizados na assembleia constituinte brasileira, nunca se manuseou tanto a constituição espanhola como se fez durante o processo de formação da constituição federal de 1988. De fato, ainda que se reconheça a preponderância da Constituição Portuguesa como maior fonte inspiradora da Constituição do Brasil em 1988, a 20 cuidadosa análise comparativa com o texto espanhol, em especial na seara dos direitos fundamentais, dentre os quais a intimidade e o segredo das comunicações são bons exemplos, é possível verificar uma normatividade que, se não é propriamente idêntica, possui enunciados que, de forma nítida, denunciam a fonte de onde proveio, criando uma expectativa de como esses sistemas jurídicos respondem a situações fáticas idênticas. Curial enfatizar, com apoio em Da Silva que “essa aproximação normativa é que possibilita o estudo comparativo de dois ou mais ordenamentos constitucionais. Ora, comparar significa confrontar, aproximar coisas a fim de individuá-las e, individuando-as, distingui-las; e distinguindo-as, agrupá-las e classificá-las (Tripiccione), ou, na forma substantiva de Constantinesco, a comparação é uma operação do espírito pela qual são reunidos num confronto metódico os objetos a serem comparados, a fim de precisar suas relações de semelhança e divergência.” E esse estudo comparativo ganha força e interesse diante da atual conjuntura econômica. É fato que, nos atuais tempos de globalização da economia, no plano comercial, os dois países anteriormente mencionados nunca estiveram tão próximos. Desde que em 1995 se produziu a explosão do processo privatizador brasileiro, as grandes companhias espanholas começaram a tomar posições no país e como consequência disto, a Espanha foi o primeiro investidor estrangeiro no Brasil em 1998, com 22% do volume total de investimentos e no ano 2000, com quase 29% do total dos Investimentos Estrangeiros Diretos no Brasil. O aporte do investimento espanhol veio, inicialmente, provocado pelo Plano Nacional de Desestatização brasileiro que atraiu o interesse das grandes empresas espanholas, em especial os grupos multinacionais. Esta primeira onda de investimento produziu um efeito de atração sobre outros setores e empresas de distintos portes e hoje o grande volume de investimento acumulado espanhol resulta heterogêneo e vai desde automação, engenharia e a construção civil até saneamento ambiental, passando pelos serviços de segurança ou seguros. Na outra face da moeda, se há alguns anos atrás, o investimento direto do Brasil na Espanha era praticamente inexistente, dados da pesquisa sobre capitais brasileiros no exterior realizado pelo Banco Central do Brasil indicam que na Espanha há US$ 4 bilhões em investimentos diretos, US$ 1,4 bilhão em títulos públicos de curto prazo e US$ 614 milhões em títulos de longo prazo. Cifras estas que aumentam continuamente. Assim, o total do investimento bruto brasileiro na Espanha tem crescido bastante em relação há anos anteriores, criando um quadro atual em que, excluindo–se os paraísos fiscais, a Espanha figura entre os países que mais recebem investimentos brasileiros no exterior. No terreno jurídico, e na matéria que aqui nos interessa, a aproximação começa pelo fato de que nenhum dos dois países conta com legislação que regule o uso do correio eletrônico pelo trabalhador e seu controle pelo empregador, ainda que haja em ambos os países proposições legislativas que intentam abordar o objeto deste estudo. A despeito de as previsões constitucionais relevantes em ambos os ordenamentos jurídicos sejam muito próximas e similares, todavia, as decisões dos tribunais infraconstitucionais sobre o tema seguem, até este momento, rumos muito distintos, ignorando muitas vezes parâmetros constitucionais. Por seu turno, e até tempos recentes, em concreto até a publicação da STC 241/2012, de 17 de dezembro, não havia em nenhum dos dois países decisões das Cortes Constitucionais sobre o tema objeto desta investigação. O objetivo deste estudo é apresentar uma comparação do tratamento jurídico-constitucional da capacidade do empregador de controlar o correio eletrônico dos trabalhadores no sistema jurídico espanhol e no brasileiro, assinalando diferenças/semelhanças que nos ajudem a compreender como cada um destes dois sistemas jurídicos se aproxima ao tema, assim como o que um sistema poderia aportar ao outro para sua melhor compreensão.