FAPEMIG - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais O presente trabalho parte da perspectiva de que as histórias de A câmara sangrenta são, ao mesmo tempo, literatura e crítica, fornecendo em linguagem ficcional as chaves para as interpretações de Carter sobre o conteúdo latente dos contos de fadas de que seus contos se originam. Com esse ponto de partida, buscamos investigar a posição crítica dos contos da coletânea, individualmente e, em alguns pontos, comparativamente, procurando analisar a relação entre as histórias de Carter e as obras a que se endereçam, sobretudo os contos de Perrault e de Grimm, já que a maior parte das histórias de A câmara sangrenta relaciona-se com suas narrativas, embora também contenham referências intertextuais as mais diversas. Para realizar a análise, procuramos articular a leitura cerrada dos contos com os intertextos mais significativos que identificamos, além de recorrer a paratextos como manuscritos, rascunhos, entrevistas e textos jornalísticos de Carter e ao material crítico já produzido sobre a obra da autora, e selecionando o aporte teórico mais conveniente a cada caso, já que cada conto demandou um percurso de análise e de pesquisa específico. Pela investigação, observamos que Carter se apropria do material latente dos contos de fadas pondo-o sob o holofote, ou seja, colocando-o no primeiro plano narrativo, de modo a criar histórias que subvertem, extrapolam, atualizam e colocam interrogações sobre os conteúdos que os contos de fadas trariam somente em latência, razão pela qual se faz sensível o diálogo com A psicanálise dos contos de fadas (1976), de Bruno Bettelheim. Constatamos ainda que, valendo-se sobretudo de um procedimento regido pela diferença e pela desconstrução – isto é, alternando variáveis como voz narrativa, capacidade de agência, grau de realismo e complexidade psíquica, por exemplo –, os contos de Carter enfatizam seu posicionamento crítico feminista em relação à condição de opressão das mulheres, e que nos levam por diversos caminhos a indagações sobre desafios como a construção da própria identidade, os encontros e desencontros amorosos, a aproximação entre o erótico e a violência, a importância das condições sociais e materiais na subalternização das mulheres e as contradições que atravessam os interesses e desejos dessas personagens; a essas questões, os contos de A câmara sangrenta oferecem vislumbres de horizontes alternativos, abrindo um leque de possibilidades para além daquelas que os contos de fadas clássicos oferecem. The present work starts from the perspective that the stories of The Bloody Chamber are, at the same time, literature and criticism, providing in fictional language the keys to Carter's interpretations of the latent content of the fairy tales from which her tales originate. With this starting point, we seek to investigate the critical position of the stories in the collection, individually and, in some points, comparatively, trying to analyse the relationship between Carter’s stories and the works they address, especially the tales by Perrault and Grimm, since most of the stories in The Bloody Chamber are related to its narratives, although they also contain the most diverse intertextual references. To carry out the analysis, we tried to articulate the close reading of the stories with the most significant intertexts that we identified, in addition to resorting to paratexts such as manuscripts, drafts, interviews and journalistic texts by Carter and the critical material already produced about the author’s work, and selecting the most convenient theoretical contribution to each case, since each story required a specific path of analysis and research. Through the investigation, we observed that Carter appropriates the latent material of fairy tales, putting it under the spotlight, that is, placing it in the narrative foreground, in order to create stories that subvert, extrapolate, update and pose questions about the contents that fairy tales would bring in latency, hence the importance of the dialogue with The Uses of Enchantment (1976), by Bruno Bettelheim. We also note that, relying mainly on a procedure governed by difference and deconstruction – that is, alternating variables such as narrative voice, agency, degree of realism and psychic complexity, for instance – Carter’s stories emphasise her feminist critical position face to women’s oppression, and that lead us through different paths to questions about challenges such as the construction of one’s own identity, love encounters and disagreements, the approximation between the erotic and violence, the importance of social and material conditions in the subordination of women and the contradictions that cross the interests and desires of these characters; to these questions, the stories of The Bloody Chamber offer glimpses of alternative horizons, opening up a range of possibilities beyond those offered by classic fairy tales.