As espécies invasoras podem interferir em processos ecológicos previamente estabelecidos num ecossistema, existindo assim uma preocupação acrescida com as espécies que possam prejudicar populações de espécies nativas com valor comercial. É o caso da corvinata-real Cynoscion regalis (Pisces: Sciaenidae), também conhecida por corvina americana ou rainha, uma espécie nativa da costa NE da América do Norte, que estabeleceu uma população invasora no estuário do Sado, tendo já sido registada em vários pontos da Península Ibérica. Os pescadores manifestaram a sua preocupação com a competição que possa existir entre a corvinata-real e os peixes nativos com valor comercial, contudo, não há evidências científicas que demonstrem que a corvinata-real está a competir com espécies nativas por alimento e espaço. Assim, o principal objetivo deste trabalho é fornecer as primeiras informações relativas à ecologia da população de corvinata-real no estuário do Sado, enquanto os seus objetivos específicos são: i) determinar a dieta e estratégia alimentar usada pela corvinata-real, através da análise de conteúdos estomacais, bem como de três espécies nativas com valor comercial – corvina-legítima Argyrosomus regius, robalo Dicentrarchus labrax e sargo Diplodus sargus; ii) inferir a sua posição trófica e a sobreposição de nicho trófico com estas três espécies nativas, através da análises de isótopos estáveis de carbono e azoto; iii) inferir o uso do habitat da corvinata-real através da análise da química de otólitos e averiguar a sobreposição de habitat com as três espécies nativas; iv) discutir os potenciais impactos desta invasão nos recursos pesqueiros do estuário do Sado, tendo em consideração a dieta e o habitat usado pela espécie ao longo do ciclo de vida; v) avaliar o potencial da corvinata-real como um novo recurso pesqueiro, através de inquéritos realizados a consumidores voluntários, e acções de sensibilização (parceria com chefs locais e publicação de dois comunicados de imprensa). Os resultados dos conteúdos estomacais apontam que no estuário do Sado, a corvinata-real é predadora de crustáceos (53%) (principalmente mysidaceos, carídeos, isópodes e caranguejos), peixes (45%) (principalmente peixe-rei Atherina sp. e anchova Engraulis encrasicolus e cefalópodes (2%). Um caso de canibalismo foi verificado. Assim, esta espécie parece alimentar-se dos mesmos grupos de presas e em proporção semelhante ao que acontece na região nativa. A estratégia alimentar é generalista e a população aparenta ser composta por indivíduos especialistas, ou seja, indivíduos que têm preferência por diferentes presas, havendo assim uma baixa sobreposição de presas entre indivíduos. Este foi certamente um fator importante que influenciou esta espécie a estabelecer-se nesta região. Os resultados da análise de isótopos estáveis revelaram que a corvinata-real, a corvina-legítima e o robalo estão a alimentar-se no mesmo nível trófico, enquanto que o sargo está um nível trófico abaixo, uma indicação de que o sargo está a consumir presas diferentes ou em diferente proporção. Não houve uma sobreposição significativa de nicho isotópico, ou índice de Pianka (calculado com base no número e tipos de presas consumidas), entre a corvinata-real e as outras três espécies, rejeitando a hipótese de que a corvinata-real está a competir por alimento com estas espécies nativas. No entanto, a probabilidade de sobreposição de nicho foi maior com a corvina-legítima, indicando uma maior probabilidade de competição por alimento, possivelmente por serem espécies taxonomicamente próximas. A análise química dos otólitos revelou que identicamente à região nativa, a corvinata-real realiza um padrão anual de migrações, usando o estuário (até à zona de água doce) na primavera e no verão, e as áreas costeiras no inverno. Confirma-se, assim, a utilização simultânea do estuário pela corvinata-real, corvina-legitima, robalo e sargo, evidenciando a competição pelo uso do habitat. Em relação aos potenciais impactos desta espécie noutros recursos pesqueiros, a corvinata-real poderá afectar a demografia das suas presas, algumas com valor comercial na região do estuário do Sado (ex: carapau Trachurus trachurus, anchova Engraulis encrasicolus, lula comum Loligo vulgaris, e choco comum Sepia officinalis. Poderá também competir com espécies nativas através da competição por alimento, uma vez que outras espécies também se alimentam das mesmas presas (ex: dourada Sparus aurata, sargo-do-senegal Diplodus bellottii, a anchova Engraulis encrasicolus, o carapau Trahurus trachurus, o choco comum Sepia officinalis, lula comum Loligo vulgaris, polvo comum Octopus vulgaris, golfinho-roaz Tursiops truncatus). Contudo é difícil responsabilizar a corvinata-real por algum impacto, uma vez que outros factores podem prejudicar espécies nativas, como a perda de habitat ou pesca excessiva. Há também a possibilidade de espécies nativas usarem a corvinata-real como alimento, uma questão que deverá ser abordada em estudos futuros com maiores amostragens de espécies nativas. Os resultados dos inquéritos revelaram que esta espécie tem um grande potencial para ser bem aceite no mercado: grande parte dos consumidores demonstrou interesse em adquirir o peixe posteriormente; a maioria prefere peixe selvagem e por isso muitos optariam por adquirir a corvinata-real em vez de peixes nativos provenientes de aquacultura; reconhecem que a espécie está subvalorizada (5€ kg-1) e estão dispostos a pagar em média mais 3€ kg-1 que o preço médio actual. Verificamos também que o principal motivo que levou os consumidores a preferirem outras espécies de peixes nativos (ex: corvina-legítima, dourada, sardinha) é a falta de informação sobre a espécie e o hábito de consumo. Assim, uma opção para contornar este conservacionismo dos consumidores será criar acções de divulgação que os informem sobre os benefícios de consumir uma espécie invasora, destacar a sua proveniência (mar), e promover o seu uso em pratos que melhorem o seu sabor e textura, nomeadamente pratos que envolvam o peixe partido, como caldeiradas ou massadas. As acções de sensibilização criadas neste trabalho (parceria com chefs locais e publicação de comunicados de imprensa) demonstraram que existe interesse na corvinata-real e na temática das espécies invasoras, permitindo assim a promoção deste novo recurso-pesqueiro e a consciencialização dos portugueses sobre o aparecimento de espécies invasoras. Assim, a comercialização da corvinata-real tem potencial para ser optimizada e poderá vir a contribuir para a redução da população no estuário do Sado e minimizar os seus possíveis impactos. Contudo, é importante considerar os riscos e benefícios desta abordagem e incluir acções de monitorização e de divulgação que clarifiquem que os benefícios da sua comercialização não superam os benefícios do controlo da população a longo prazo. Weakfish Cynoscion regalis, a species native to the NE-coast of North America has established an invasive population in the Sado estuary, and since it is being captured in large numbers in Sado estuary and it is already being sold in fish markets, anglers expressed their concern with competition between weakfish and native prize fish; however, there are no scientific evidences showing that weakfish will outcompete native species for food and space. Therefore, we determined weakfish diet through stomach content analysis, and for three native prize fish: meagre, European bass, and white seabream. Results revealed that weakfish has a generalist feeding strategy and is preying on crustaceans (53%), fish (45%) and cephalopods (2%). We inferred trophic position through isotopic carbon and nitrogen content analysis in muscle and fin tissues, and weakfish, meagre and seabass are feeding at the same trophic level, and seabream a trophic level below. There was no significant isotopic niche overlap between weakfish and the three species, although it was higher for meagre. To infer competition for space, we determined weakfish habitat use through otolith chemistry analysis that revealed an annual pattern of migrations, using the estuary in spring/summer and coastal areas in winter, confirming the simultaneous use of the estuary among weakfish and the three natives. To evaluate the potential of weakfish as a new fishing resource, we provided inquiries to consumers and created awareness events to engage the media and assess public interest on this matter. Inquiries revealed that consumers recognize weakfish potential, since they showed interest in acquiring the fish, would pay more than the current mean price, and would opt to buy weakfish instead of farmed native fish. The feedback from the awareness events was positive, indicating that invasive species subject attracts enough interest to promote weakfish successfully and increase society’s awareness on invasive species.