Tese (doutorado)—Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura, 2015. Este trabalho enfoca o tema do abuso sexual, fenômeno complexo, sócio familiar, uma das formas mais graves de violência contra crianças e adolescentes, com expressão mais frequente no contexto intrafamiliar e influente na qualidade do desenvolvimento das vítimas. Trata-se de um estudo de delineamento qualitativo exploratório, cujo contexto foi o Centro de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS)-DF, instituição pública que tem a entrevista de acolhimento como rotina de atendimento psicossocial. O método de entrevista semi-estruturada de cunho narrativo e análise documental de prontuários foi utilizado com quinze famílias com crianças e adolescentes, basicamente as que buscam o Sistema Único de Saúde, que vivenciaram violações dos direitos por ocorrência de abuso sexual. A tese tem como objetivo conhecer e acessar as narrativas, significados e sentidos que a família produz no período entre a revelação e o atendimento do abuso sexual. O referencial teórico proposto é o Construcionismo Social, apreciando a linguagem em ação e a contextualização sócia histórica dos sistemas de significação. Para a realização da construção da análise e interpretação do corpus utilizou-se a Análise Hermenêutica Dialética, a partir das narrativas, significados e sentidos expressos pelas famílias, instrumento com uma perspectiva interpretativa que exige a elaboração de categorias analíticas. Os resultados apontam três estudos: O primeiro estudo informa sobre a vítima, sobre a configuração familiar e sobre o abuso sexual. A estatística descritiva mostra que 66,6% são casos de abuso sexual intrafamiliar; em 11 casos os ofensores são do sexo masculino, padrasto; 46,6% dos casos ocorreram na casa da vítima e o abuso sexual tem uma média de duração de 27 meses desde o ocorrido da violência até o momento da entrevista na instituição; o tempo médio da ocorrência do abuso sexual é de 13 meses antes da sua revelação; e o intervalo de tempo que vai da revelação do abuso sexual à denúncia é de 7 meses. O intervalo de tempo entre a revelação do abuso sexual e as providências para o atendimento são vividas em função da assimilação do ocorrido, além da necessária reorganização familiar, física e/ou emocional. O segundo estudo revela as narrativas e significados que a família produz em seu espaço privado, destacando três núcleos indagados pelo Construcionismo Social: Construção do problema- Narrativas que marcam a revelação do abuso sexual, reações vividas na família; Mudança- Inter (ações) que geram mudanças; Promoção da Mudança- Repetindo e atualizando histórias para apropriar-se dos avanços. O terceiro estudo mostra a conjugalidade, parentalidade e fraternidade implicadas na política relacional dos parceiros conversacionais. Destaca-se três núcleos compreensivos informados pelas narrativas e ditos populares, Conjugalidade, Parentalidade, Fraternidade, que resultam em práticas como: um rompimento e afetamento da conjugalidade; vivências de ambivalência enquanto dimensão da parentalidade e uma distinção e descrição dos papéis sociais vividos na convivência familiar em função de uma hierarquização, na fraternidade. As conclusões apontam para comprovação da tese de que o processo de mudança e transformação das narrativas, dos significados e sentidos produzidos pela família acerca do abuso sexual vivido anunciam possibilidades e potencialidades em contexto de compartilhamento e se faz a partir da própria experiência e vivência da família, considerada matriz relacional da situação, realçando o potencial da família. Há indicador de que existe uma interdependência entre as narrativas de transformação produzidas pela família e os agentes externos promotores da proteção, visto como uma estratégia. Aponta-se a importância da criação de espaços conversacionais implicados nas diferenças culturais e ideológicas que possam ser inclusivos gerando práticas mais contextuais e criativas. This work focuses on the theme of sexual abuse and family, a complex phenomenon with social and family scope, and one of the gravest forms of violence against children and adolescents. It influences the quality of development of the victims and happens most frequently within an intra-family context. This is a qualitative, exploratory study which took place at CREAS – a specialised social service public institute, which offers first care treatment and psychosocial support. The semi-structured interview method based on records of narratives and analysis of documents was conducted with fifteen families with children and adolescents; basically those who use the Public Health System (SUS - Sistema Único de Saúde) and who had their rights violated due to sexual abuse. The objective of the thesis is to comprehend and access the narratives and meanings that the family produces in the period between the disclosure and the treatment of sexual abuse. Social Constructionism was used as the theory of reference with appreciation of the language in action and the historical contextualisation of the systems of meaning. The Hermeneutic Dialectic Analysis was used for the construction of the analysis and interpretation of the corpus, taking as a starting point the narratives and meanings expressed by the families - tool with an interpretative perspective that demands the elaboration of analytical categories. The results point to three studies: the first study gives information about the victim, about the family configuration and about the sexual abuse. The descriptive statistics shows that 66.6% are cases of intra-family sexual abuse; 66.6%, in 11 cases the offenders are of the male sex, stepfather that lived with the children and adolescents; 46.6% of the cases took place in the house of the victim and the sexual abuse happened for an average duration of 27 months until the time of the first interview at the social service institution; the medium time of the sexual abuse is 13 months before its disclosure; the time interval that goes from the disclosure of sexual abuse to its denouncement is 7 months. The time interval between the disclosure of sexual abuse and the measures taken for treatment depend on the assimilation of the events and the necessary time needed for physical, emotional as well as family restructuring and adjustment. The second study reveals the narratives and meanings that the family produces in its private space with emphasis on three nuclei investigated by Social Constructionism: Construction of the problem – narratives that mark the disclosure of sexual abuse, reactions lived within the family; Change – inter (actions) that generate change; Promotion of change – repeating and updating stories to appropriate progress. The third study shows the impact that the three comprehensive nuclei of narratives and popular sayings - Partnership, parenthood, fraternity - have on the relationship politics of the interview partners. It results in practices such as: dissolution and other affecting influences on the partnership; a focus of all parties involved on the feelings of ambiguities and ambivalences as dimensions of parenthood, and a distinction and description of the social roles lives within the family in function of a hierarchization, in the fraternity. The conclusions point to the proven thesis that the process of change and transformation of narratives and of the meanings produced by the family about the sexual abuse generate possibilities and potentialities of sharing. The starting point of this process is the own experience of the family considered the relational matrix of the situation, and it emphasizes the family potential; the indicator that an interdependence exists between the narratives of transformation produced by the family and the external agents, promotors of protection, seen as a strategy; importance of the creation of spaces for exchanges comprising eventually inclusive cultural and ideological differences and thus generating more contextual and creative practices.