Tese (doutorado)—Universidade de Brasília, Instituto de Letras, Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas, Programa de Pós-Graduação em Linguística, 2015. Investiga-se o desenvolvimento da língua escrita-padrão do português brasileiro por indivíduos brasileiros em contexto de educação formal. Adotando-se a teoria de Princípios e Parâmetros e o Programa Minimalista (cf. CHOMSKY, 1995, e estudos subsequentes), assume-se a hipótese de que tal processo se constitui como aquisição de segunda língua (L2). O objetivo do estudo é caracterizar o desenvolvimento da gramática do indivíduo letrado buscando-se examinar a aquisição do sistema de clíticos de 3ª pessoa, na língua escrita, dado que tais categorias não ocorrem na língua falada. De acordo com a descrição dos compêndios gramaticais adotados no âmbito escolar, o objeto direto anafórico, na língua escrita-padrão, é realizado pelo clítico pronominal, sendo a ênclise a posição ‘lógica, normal’, em oração raiz e principal, e a próclise associada a fatores específicos (como a presença de advérbio/negação e o contexto de subordinação) (CUNHA e CINTRA, 1985/2008). Para tanto, adotou-se a perspectiva transversal, pela análise da produção escrita de estudantes nas seguintes etapas da escolarização – Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior. Na análise, parte-se do ‘Bilinguismo Teórico’de Roeper (1999), em que a ocorrência de regras contraditórias na gramática do falante não implica opcionalidade, mas a coexistência de mini-gramáticas, o que leva à conclusão de que todo falante é bilíngue. Na presença de duas gramáticas, uma delas pode ser uma Gramática Mínima Default, definida em termos de economia, independentemente do input, pelo acesso direto à Gramática Universal, em oposição à gramática com valores marcados, que projeta mais estrutura, sendo, portanto, menos econômica. É importante notar que as formas da gramática do adulto não resultam de reanálise, com a consequente eliminação das formas prévias. Ao contrário, as formas inovadoras dão origem a outras gramáticas internas (G2...Gn), no processo de aquisição, dando origem ao bilinguismo (universal). Assumimos ainda a abordagem de Kato (2005), que adota não somente a teoria de Roeper (1999), mas também a hipótese de Silva-Corvalán (1986), que relaciona a distribuição das formas variáveis aos registros de fala. Segundo Kato (2005), o conhecimento linguístico do adulto letrado se desenvolve como regras estilísticas, que se situam na periferia, em oposição à gramática nuclear, manifestando o estatuto de segunda gramática (G2). Em certas condições, a G2 pode ter o estatuto de gramática nuclear, o que implica a situação de bilinguismo total/ nativo. Focamos nossa análise particularmente na aquisição das propriedades morfossintáticas de objeto direto. Nossa hipótese de trabalho parte de estudos prévios que apontam para as seguintes propriedades do PB: (i) perda do clítico acusativo de 3ª p.; (ii) aumento na ocorrência de objeto nulo e de pronomes fortes (CYRINO, 1990; KATO, CYRINO e CORREA, 1994; GALVES, 2001); (iii) próclise generalizada de clíticos de 1ª e 2ª pessoa; (iv) perda/ ausência do movimento longo do clítico (PAGOTO, 1993). Segundo a Hipótese do Acesso Parcial à GU (STROZER, 1992), nos termos de Roeper (1999) e Kato (2005), assumimos que a escola, sendo o ambiente formal das práticas de letramento, é o contexto privilegiado para oferecer o input para a aquisição da sintaxe dos clíticos, e, no estágio inicial da aquisição da língua escrita-padrão, haverá transferência de valores paramétricos do português oral (L1/G1). A produção escrita dos estudantes é eliciada em narrativas com lacunas, cujo preenchimento implica a escolha entre o clítico de 3ª pessoa (em contexto de próclise e ênclise), e suas variantes (objeto nulo, pronome lexical e sintagma nominal pleno). Os resultados apontam similaridades entre a aquisição da língua escrita-padrão e a aquisição de L2, já que as seguintes propriedades são encontradas: opcionalidade, que é associada com a indeterminação lexical no mapeamento de traços formais (WHITE, 2003), assim com o desenvolvimento linguístico, já que o uso de clíticos de 3ª pessoa aumenta, à medida que as demais variantes diminuem. No entanto, o desenvolvimento da G2 é restringido por propriedades semânticas e sintáticas: assim, observou-se que o antecedente do objeto direto marcado para os traços [-animado] e [+/-específico] favorece o objeto nulo; sentenças do tipo raiz/ principal favorece o uso de clíticos. Constata-se que o input linguístico oferecido pela escola resulta no uso de clíticos, porém, havendo competição de gramáticas que exibem formas características da G1 e formas inovadoras, que indicam aquisição da G2. Entre os objetivos da pesquisa, consta o interesse em fornecer evidência quanto à natureza do conhecimento linguístico, confirmando-se a hipótese de que a aquisição de L2 e o processo de letramento são fenômenos semelhantes que se desenvolvem pelo acesso à Gramática Universal, e contribuir para o desenvolvimento de tecnologias educacionais para o ensino do português na Educação Básica, sendo o bilinguismo assumido como uma característica intrínseca à Faculdade de Linguagem. The study investigates the development of the written modality of Brazílian Portuguese by Brazilians in the context of formal education. Adopting the Principle and Parameters theory and the Minimalist Program (CHOMSKY 1995, and subsequent work), it is assumed that this process involves the acquisition of a second language (L2). The study focus on the acquisition of the clitic system in the written language, given its absence in the spoken modality of the language. According to descriptive grammars, in the (written) Standard language, the anaphoric direct object is realized by a pronominal clitic, enclisis being the ‘logic and normal’ position, in root/ main clauses, while proclisis is associated to specific conditions (such as the presence of adverbs/ negation, and the context of subordination) (CUNHA e CINTRA, 1985/2008). In order to achieve this goal, we adopt a transversal perspective, analyzing the written production of students in the following levels of education – Fundamental Level (7 to 15 years old), Secondary School level (16 to 17 years old), and Undergraduate level (adults). We assume the so-called Theoretical Bilingualism (TB), as proposed in Roeper (1999), in which the occurrence of contradictory rules in the grammar of the adult speaker does not imply optionality, but rather the coexistence of mini-grammars, further implying that all speakers are bilingual. Where two grammars are present, one of them may be the Minimal Default Grammar, which is defined in terms of economy, independently of the input, which implies a direct access to Universal Grammar, as opposed to the grammar with marked values, which involves more structure, being therefore less economic. Importantly, the (marked) formsof the adult grammar have not undergone reanalysis, implying the elimination of the previous forms. Instead, the internal grammars (G2…Gn) arising during acquisition, through the access to Universal Grammar, give rise to bilingualism. We further assume Kato’s (2005) approach, which adopts not only Roeper’s (1999) theory of Universal Bilingualism, but also Silva-Corvalan’s (1986) hypothesis, which relates the distribution of the variable forms to speech registers. Under Kato’s view the linguistic knowledge of the literate adult develops as stylistic rules, which are peripheric, as opposed to a core grammar, having the status of a second grammar (G2). Under certain conditions, the G2 may have the status of a core grammar, implying full/ native bilingualism. We thus focus on the acquisition of the morphosyntactic properties of the direct object. Our working hypothesis is based on previous studies which point out the following properties of spoken BP: (i) loss/ absence of the 3rd person accusative clitic pronoun in BP, as compared to previous periods, (ii) rise/presence of null objects and lexical (non-clitic) pronouns favored by semantic features of the antecedent of the direct object (CYRINO, 1990; KATO, CYRINO e CORREA, 1994; GALVES, 2001), (iii) generalized proclisis with 1st and 2nd person clitics, as well as absence of long clitic movement (PAGOTO, 1993). In accordance with the Partial Access (to UG) Hypothesis (STROZER, 1992), and in terms of Roeper’s (1999) and Kato’s (2005) approaches, we assume that the school, being the formal environment of literacy practices, is the privileged context for providing the individual with the input to the acquisition of clitics, and further predict that, in the initial stage of the acquisition of the written Standard language, transference of the parametric values of the spoken language (L1/G1) will be found. The written production of the students is elicited in short narratives with blanks to be filled with the 3rd person clitic pronoun (in contexts of proclisis or enclisis), and its variants (null object, lexical non-clitic pronoun, and full NP). The results point to similarities between the acquisition of the written Standard-language and L2 acquisition, as the following properties are found: optionality, which is associated with lexical indetermination in the mapping of formal features (WHITE, 2003), as well as language development, as the use of 3rd person clitics gradually increases, while the other variants decrease. It is also shown that the development of the G2 grammar is restricted by semantic and syntactic properties: accordingly, the null object is favored if the antecedent of the anaphoric direct objet is [-animate] whether [+specific] or [-specific], while clitics are favored in root/main clauses, although the rule of generalized proclisis, found in the spoken language of BP, is preferred, except in verbal groups with infinitives, which favor the use of the enclitic form lo. We conclude that a competition of grammars is found in the written language of the literate speaker, which exhibits forms that are typical of G1 as well as the innovative forms pointing to the acquisition of G2. By demonstrating that L1 acquisition and the process of literacy are similar phenomena as they develop through the access to Universal Grammar, we expect to contribute to the development of educational tools for language teaching, bilingualism being assumed as an intrinsic property of the Faculty of Language.