Introdução: A terapia antirretroviral (TARV) é um dos pilares no controle da infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) por evitar a progressão da doença e prevenir novos casos de infecção. Sua efetividade é, porém, condicionada a níveis elevados de adesão. Esquemas antirretrovirais em dose fixa combinada (DFC) são medicamentos que contém três ou mais antirretrovirais em um único comprimido, simplificando, assim, a TARV, e potencialmente propiciando melhores resultados clínicos. Desde 2015, o esquema em DFC contendo tenofovir disoproxil fumarato, lamivudina e efavirenz está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, evidências sobre os desfechos em saúde e relação de custo-efetividade com o uso desta formulação específica são escassas. Objetivo: Realizar uma análise epidemiológica e farmacoeconômica do tratamento antirretroviral em DFC em pessoas que vivem com HIV que iniciam a terapia antirretroviral no SUS. Adicionalmente, foi avaliado o perfil de utilização e de adesão à TARV no contexto australiano. Métodos: Quatro estudos foram desenvolvidos no âmbito desta tese. No Estudo 1 foi desenvolvida uma coorte prospectiva não concorrente para avaliar a efetividade do esquema em DFC comparado a múltiplos medicamentos e doses (MMD) em indivíduos acompanhados em um centro de referência em Belo Horizonte entre janeiro de 2014 e dezembro de 2016. Neste estudo, a variável resposta foi a efetividade da TARV, definida como supressão viral [carga viral (CV) < 50 cópias/ml] após seis e doze meses do início do tratamento. No Estudo 2 foi realizada uma análise de custo-efetividade na perspectiva do SUS e limitada aos custos diretos médicos para comparar os resultados dos indivíduos que iniciaram TARV em DFC ou em MMD. Foi utilizada a mesma população do Estudo 1 e foram comparados a proporção de indivíduos em supressão viral e os custos após um ano de tratamento entre os grupos. Os resultados foram expressos em dólares estadounidenses após conversão pela paridade do poder de compra (1 US$ = 1,996 R$). O Estudo 3 trata-se de um corte transversal realizado a partir da linha de base de uma coorte prospectiva em três centros de referência de Belo Horizonte, que recrutou indivíduos entre setembro de 2015 e agosto de 2017. Neste estudo foi avaliada a qualidade de vida de indivíduos iniciando a TARV por meio dos instrumentos WHOQOL-HIV bref e EuroQol-5 Dimensions. Os fatores associados a este desfecho foram avaliados por modelos de regressão linear multinível para cada instrumento utilizado. No Estudo 4 foi desenvolvida uma coorte retrospectiva de bases de dados de dispensação para avaliar o perfil de uso e de adesão dos indivíduos em uso de TARV na Austrália entre julho de 2013 e junho de 2017. A adesão foi mensurada pela proporção de dias cobertos (PDC) utilizando como ponto de corte PDC ≥ 95% e, secundariamente PDC ≥ 80%. Calcularam-se os desfechos após 12 meses de acompanhamento e em intervalos mensais para permitir a modelagem de trajetória baseada em grupo. Resultados: No Estudo 1 foram incluídos 440 indivíduos, dos quais a maior parte (58%) iniciou a TARV em esquemas MMD. A supressão viral foi de 74,6% aos seis meses e de 83,2% aos doze meses, sendo maior entre aqueles que utilizaram DFC apenas aos seis meses (p < 0,05). Fatores associados à menor probabilidade de supressão viral variaram aos seis e doze meses, incluindo em pelo menos um dos tempos de avaliação a CV inicial ≥ 100.000 cópias/ml, presença de sinais e sintomas definidores de aids, registro de troca de antirretroviral, maior intervalo de tempo entre diagnóstico e início da TARV e o consumo de tabaco ou drogas ilícitas durante o acompanhamento. O registro de adesão à TARV e pertencer à categoria de risco/exposição de homens que fazem sexo com homens foram associados à maior probabilidade de efetividade. O Estudo 2 identificou o esquema em DFC como a escolha ideal entre as terapias disponíveis no Brasil entre 2014 e 2016, com custo médio anual de US$ 1.101,65 (DP 2.775,68) e menor relação de custo-efetividade após um ano de acompanhamento. No Estudo 3 foram incluídos 366 participantes. A mediana de qualidade de vida foi acima de 80% para todos os instrumentos utilizados, sem diferenças entre indivíduos que utilizaram esquemas contendo dolutegravir ou efavirenz, ambos associados à tenofovir disoproxil fumarato/ lamivudina. Os seguintes fatores foram associados à pior QV em pelo menos dois dos três modelos desenvolvidos: estado civil (não casado), ter menor nível educacional, reportar tabagismo recente, sinais e sintomas recentes de ansiedade ou depressão, comorbidades e ocorrência de reações adversas a medicamentos. No Estudo 4 foram incluídos 2.107 participantes, a maior parte em uso de esquemas contendo 2 inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos/nucleotídeos associados a um inibidor da transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos (44,6%). Após um ano de seguimento, o PDC médio foi de 81,0% (DP 21,2) e a proporção de pessoas que aderiu à TARV foi de 35,7% utilizando o limiar de PDC 95% e de 60,9% utilizando o limiar de PDC 80%. A análise de trajetória revelou três padrões para a probabilidade de adesão ao longo do tempo: boa adesão, baixa adesão e não-adesão precoce, sendo que apenas 51,7% dos participantes pertencia ao grupo de boa adesão. Os fatores associados à maior probabilidade de pertencer a este grupo foram idade mais avançada e o uso de esquemas contendo inibidores da integrase. Padrões semelhantes foram obtidos para o limiar de PDC 80%. Conclusões: A disponibilização do esquema em DFC no Brasil apresentou benefícios quanto à efetividade e relação de custo-efetividade. Este esquema deveria, portanto, ser utilizado como comparador para fins de futuras incorporações de antirretrovirais de primeira linha no país. Até o momento, esquemas mais novos, contendo inibidores da integrase não apresentaram benefícios quanto à qualidade de vida no contexto brasileiro, embora estudos longitudinais que avaliem este e demais desfechos devam ser realizados. De maneira geral, pessoas que vivem com HIV em Belo Horizonte, e que iniciaram a TARV, apresentam elevada incidência de supressão viral aos seis e doze meses, bem como elevada qualidade de vida. Entretanto, é possível melhorar estes resultados por meio do diagnóstico e início precoce da TARV, intensificação do aconselhamento dos profissionais de saúde sobre eventos adversos, incentivo à adesão dos pacientes, triagem e apoio psicológico para indivíduos com ansiedade ou depressão, e redução do uso de substâncias (tabaco e drogas ilícitas) nesta população. Independentemente do ponto de corte para uma adesão ideal, apenas metade das pessoas em tratamento antirretroviral mantêm uma boa adesão ao longo do tempo no contexto australiano, ressaltando o caráter dinâmico e complexo da adesão a medicamentos de uso crônico. Os resultados corroboram o uso de medicamentos com menor incidência de reações adversas e acompanhamento regular da adesão ao tratamento, especialmente entre indivíduos mais jovens. Background: The combination antiretroviral therapy (cART) is the main strategy to control the Human Immunodeficiency Virus (HIV) infection, preventing the progression of the disease and the transmission of the virus. Its effectiveness, however, depends on high levels of adherence. Single-tablet regimens (STRs) contain three or more antiretrovirals in a singletablet, thus simplifying cART, and potentially providing better clinical outcomes. Since 2015, the STR regimen containing tenofovir disoproxil fumarate, lamivudine and efavirenz is available in the Brazilian National Health System (SUS). However, evidence on the health outcomes and cost-effectiveness with the use of this specific formulation is lacking. Objective: To conduct an epidemiological and pharmacoeconomic analysis of antiretroviral treatment in STR among people living with HIV who initiate cART in SUS. In addition, we evaluated the patterns of use and adherence to cART in the Australian context. Methods: We developed four studies within this thesis. In Study 1, we developed a nonconcurrent prospective cohort to evaluate the efficacy of STR compared to multiple tablet regimens (MTR) in subjects followed at a referral center in Belo Horizonte between January 2014 and December 2016. In this study, the response variable was the effectiveness of ART, defined as viral suppression [viral load (VL) < 50copies/ml] six and twelve months after initiating the treatment. In Study 2, a cost-effectiveness analysis was performed from the SUS perspective and limited to direct medical costs to compare the results of individuals who initiated cART in STR or MTR. We included the same population of Study 1 and compared the proportion of patients achieving viral suppression and associated costs after one year of follow-up between the groups. Results were expressed in United States dollars after conversion by the purchase power parity (US$ 1 = R$ 1,996). Study 3 is a cross-sectional analysis from the baseline of a prospective cohort study conducted at three reference centers in Belo Horizonte, Brazil, which recruited individuals between September 2015 and August 2017. We evaluated the Health-Related Quality of Life (HRQoL) of individuals initiating cART using the WHOQOL-HIV bref and EuroQol-5 Dimensions instruments. The factors associated with this outcome were evaluated by multilevel linear regression models for each instrument. In Study 4, a retrospective cohort of dispensing databases was developed to assess patterns of use and adherence to cART in Australia between July 2013 and June 2017. Adherence was measured by the proportion of days covered (PDC) using a cutoff of PDC ≥ 95% and, secondarily, PDC ≥ 80%. The outcomes were calculated after 12 months of followup and at monthly intervals to allow group-based trajectory modeling. Results: Study 1 included 440 patients, of whom the majority (58%) initiated cART in MTRs. The viral suppression was 74.6% at six months and 83.2% at twelve months, being higher among patients who used STR only at six months (p < 0.05). Factors associated with a lower probability of viral suppression included baseline VL ≥ 100,000 copies/ml, presence of AIDS-defining signs and symptoms, antiretroviral switch, longer interval between diagnosis and cART initiation, and use of tobacco or illicit drugs during the follow-up. Adherence to cART and belonging to the category of risk/exposure of men who have sex with men were associated with a greater probability of effectiveness. Study 2 identified the STR as the optimal choice among the therapies available in Brazil between 2014 and 2016, with an annual cost of US$ 1,101.65 (SD 2,775.68) and a lower cost-effectiveness ratio after one year of follow-up. Study 3 included 366 participants, which showed a median quality of life over 80% for all instruments used. There were no differences between subjects using dolutegravir or efavirenz regimens, both with the backbone tenofovir disoproxil fumarate/ lamivudine. The following factors were associated with poorer HRQoL in at least two of the three models developed: civil status (unmarried), lower educational level, recent cigarette smoking, recent signs and symptoms of anxiety or depression, comorbidities, and occurrence of adverse drug reactions. In Study 4, we included 2,107 participants, most of them using cART regimens containing 2 Nucleoside/Nucleotide Reverse Transcriptase Inhibitors + Non-Nucleoside Reverse Transcriptase Inhibitor (44.6%). After one year of follow-up, the mean PDC was 81.0% (SD 21.2) and the proportion of people adherent to ART was 35.7% using the 95% PDC threshold and 60.9% using the 80% PDC threshold. The trajectory analysis revealed three patterns for the probability of adherence over time: good adherence, low adherence, and early non-adherence, and only 51.7% of the participants belonged to the good adherence group. The factors associated with a higher probability of belonging to this group were older age and the use of integrase inhibitors regimens. Similar patterns were obtained for the 80% PDC threshold. Conclusions: The availability of STR in Brazil was beneficial in terms of effectiveness and cost-effectiveness. Therefore, this regimen should be used as a comparator for the purpose of future incorporations of first-line antiretrovirals in the country. To date, newer regimens containing integrase inhibitors have not shown any benefits on HRQoL in the Brazilian context, although longitudinal studies evaluating this and other outcomes should be performed. In general, people living with HIV in Belo Horizonte, who initiated cART, have a high incidence of viral suppression at six and twelve months, as well as high quality of life. However, it is possible to improve these results through early diagnosis and initiation of cART, intensification of health professionals' counseling on adverse events, encouraging patient adherence to cART, increasing the screening and the psychological support for individuals with anxiety or depression, and reducing the use of substances (tobacco and illicit drugs) in this population. Regardless of the cutoff point for optimal adherence, only half of the people on cART maintain good adherence over time in the Australian context, emphasizing the dynamic and complex character of adherence to chronic medications. The results corroborate the use of cART with a lower incidence of adverse drug reactions and regular follow-up of adherence to treatment, especially among younger individuals.