A medicina tem se tornado preventiva e não pró-ativa. Preventiva não da patologia, mas da judicialização. A escolha do procedimento deixa de ser em função da cura e se posta no resguardo de acusações futuras de possíveis infringências à lex artis. Há uma constante tensão dialética entre a arte de curar e a arte de se defender. É necessário um sistema de imputação de responsabilidade atento não só para a garantia da reparação, como também do exercício criativo da profissão, a fim de se permitir ousar, quando o método ortodoxo não apresenta esperanças. A análise do risco, portanto, ocupa especial destaque na construção do processo de imputação, pois, na mesma medida em que se reconhece a álea da intervenção médica, se acentua o risco que a própria enfermidade já impõe ao paciente, a qual ocupa o papel de causa virtual, agora com necessária relevância positiva na análise da culpabilidade. Com isso, o juízo de imputação deve deixar a mera análise naturalística do nexo de causalidade e pautar-se pela ponderação da diminuição ou incremento dos riscos, em uma investigação de prognose póstuma. Para isso, nos valemos de alguns postulados construídos na teoria alemã da imputação objetiva e na teoria estado-unidense da res ipsa loquitur, e propomos uma distribuição do ônus da prova pautado por juízos de inferência, em especial de inferências probabilísticas. A verificação do incremento ou diminuição do risco, associada ao consentimento informado, é que permite a assunção de riscos mais elevados, fomenta a inovação de técnicas não ortodoxas e acrescenta assim novas dinâmicas à aferição da culpabilidade. O tipo de frequência construirá as inferências, quando as circunstâncias, de fato, se alinharem ao processamento típico do evento e, de outro lado, não restar comprovada outra circunstância que sugira possibilidades distintas ou, em outras palavras, atípicas. A proposta confere maior tecnicidade ao exercício da jurisdição em casos de erro médico, que, no atual cenário tem se colocado na maior parte das vezes como mera homologadora de laudo pericial. Ao paciente caberá o ônus da prova da demonstração de indícios que revelem a maior probabilidade de que a conduta médica tenha excedido aos limites do risco permitido e assim incrementado o risco de dano. Tendo cumprido seu ônus, caberá ao médico desconstruir algum dos fundamentos do silogismo realizado ou apresentar presunção de maior força em seu favor.