A capacidade para produzir toxinas encontra-se num grande número de espécies, que apresentam diferentes mecanismos de produção e de libertação destas substâncias. As toxinas produzidas por estes organismos desempenham principalmente duas funções: proteção contra os predadores e captura de presas. Os peixes com esta capacidade podem ser divididos em três classes conforme os mecanismos de produção e de libertação da toxina: peixes em que a toxina se encontra nos tecidos corporais, peixes em que a toxina é libertada através de espinhas e peixes cuja secreção cutânea contém a toxina. A família Batrachoididae é muito estudada devido ao facto de incluir várias espécies tóxicas. Esta família é composta por quatro subfamílias: Thalassophryninae, Porichthyinae, Batrachoidinae, e Halophryninae. Destas, aquela que tem merecido mais atenção é a subfamília Thalassophryninae, devido aos seus membros terem a capacidade de produzir toxinas que causam efeitos severos. No entanto, em espécies que pertencem tanto à subfamília Porichthyinae como à Batrachoidinae também foi observada a produção de toxinas, apesar dos mecanismos de produção serem diferentes. Estudos recentes indicam que a espécie Halobatrachus didactylus, que pertence à subfamília Halophryninae, também poderá ser capaz de produzir substâncias tóxicas e que a água que contém estas substâncias tem um efeito severo em várias espécies de peixes, como a corvina Argyrosomus regius, levando à sua morte em poucos minutos. H. didactylus, comummente chamada de xarroco lusitano, é uma espécie bentónica que pode ser encontrada enterrada em sedimentos ou escondida em fendas de rochas. O limite norte da sua distribuição ocorre no sudoeste da Península Ibérica, e o sul no Golfo da Guiné. O xarroco lusitano tem sido usado como modelo experimental em variadas áreas de investigação (ciclo reprodutivo, produção de sons, estudos hematológicos, estudos ecológicos, etc). O objetivo desta tese consiste em estudar os efeitos que esta toxina, ainda não identificada e caracterizada, poderá provocar em indivíduos da espécie Sparus aurata. Foi realizado um conjunto de experiências in vivo que consistiram na exposição crónica e aguda de indivíduos da espécie S. aurata a diferentes diluições da água de contenção de xarrocos (designada como “água de xarroco”). As experiências in vitro consistem em estudar a atividade hemolítica da toxina, através da exposição de glóbulos vermelhos de S. aurata a muco colhido de indivíduos da espécie H. didactylus. Adicionalmente, e assumindo a hipótese de que os compostos libertados para a água pelos xarrocos possam exercer algum tipo de ação neurotóxica nas espécies alvo, foi testado o efeito da água de xarroco na sensibilidade do nervo olfativo (Olfactory Nerve Recording – ONR). A obtenção da “água de xarroco” foi realizada colocando vários indivíduos num contentor num rácio de 0,5kg de biomassa por cada litro de água. Após a adição da água, os peixes foram manipulados a cada 5 minutos durante 30 minutos de modo a induzir stress. Duas exposições crónicas foram realizadas, correspondendo à utilização de duas diluições da “água de xarroco”: 1:1000 e 1:100. Estas exposições tiveram durações de dezassete e cinco dias respetivamente. Durante a realização deste trabalho, surgiram evidências que indicam a existência de diferenças nos efeitos da água de xarrocos machos e de xarrocos fêmeas nos indivíduos da espécie S. aurata. Assim, as exposições agudas foram realizadas com “água de xarroco” fêmeas e machos em separado, numa concentração de 1:1. Estas exposições tiveram uma duração máxima de uma hora. Após a realização de ambas as exposições agudas, uma terceira foi realizada, com uma diluição de 1:30 de “água de xarroco” de machos e teve uma duração de vinte e quatro horas. Depois do término das exposições, os indivíduos utilizados como alvos, foram sacrificados e amostras de sangue e das brânquias foram coletadas. Os parâmetros hematológicos medidos foram: hematócrito, concentração de hemoglobina, número de glóbulos vermelhos e os índices associados (volume celular médio, hemoglobina celular média, concentração de hemoglobina celular média), a presença de oxi, deoxi, e metahemoglobina, hemólise, plasmólise e morfologia dos glóbulos vermelhos, pH do sangue, e osmolalidade. Os indicadores plasmáticos medidos foram: glucose, lactato, fósforo, magnésio, cloro, cálcio, sódio, potássio, LDH, e amónia. Adicionalmente, nas exposições agudas, a atividade total das ATPases e a atividade da Na K-ATPase também foram observadas. A análise da atividade hemolítica foi feita utilizando diferentes concentrações de extrato aquoso de muco de H. didactylus, que consistia numa mistura de muco com igual quantidade de solução salina. O extrato foi então incubado juntamente com eritrócitos de S. aurata, e após a incubação, a absorbância foi medida de modo a indicar a quantidade de glóbulos vermelhos que tinham sido destruídos, o que quando comparado com um controlo positivo, permite calcular a atividade hemolítica. Foram também realizados registos em vídeo do comportamento em situação de exposição aguda. Os parâmetros registados foram perda de equilíbrio, a ocorrência de espasmos e imobilização total dos indivíduos. Os registos eletrofisiológicos de nervo olfativo, foram realizados expondo o epitélio olfativo de indivíduos da espécie alvo a uma série de estímulos (cisteína, serina, leucina, glutamato, arginina, e bílis de S. aurata). Após a exposição aos estímulos, o epitélio olfativo é então exposto a concentrações cada vez maiores de “água de xarroco” e de seguida avaliada novamente a resposta aos estímulos. Esta abordagem permite avaliar as possíveis alterações na sensibilidade olfativa devido à exposição a “água de xarroco”. Os resultados demonstram que a toxina produzida por H. didactylus, não aparenta ter efeitos nos indicadores fisiológicos medidos, quando utilizada em baixas concentrações (utilizadas nas exposições crónicas e na exposição de 1:30). Porém, a exposição a “água de xarroco” sem diluição (exposição aguda), especificamente se for produzida pelos machos, provoca a morte dos animais alvo em alguns minutos. Estas exposições agudas, provocam alterações significativas nas espécies alvo, não só nos parâmetros hematológicos (hematócrito, pH do sangue, osmolalidade e morfologia dos glóbulos vermelhos) como nos indicadores plasmáticos (glucose, lactato, fósforo, magnésio, cloro, cálcio, sódio, potássio e amónia). Em relação á atividade hemolítica, tanto a “água de xarroco” fêmea como a de macho, apresentam capacidade de hemolisar 100% do glóbulos vermelhos presentes na solução, mesmo quando presente em concentrações baixas. Os registos no nervo olfativo apontam para um efeito a nível do sistema neuronal tendo a “água de xarroco” a capacidade de inibir a função olfativa. Os resultados apresentados neste trabalho, mostram claramente que a espécie H. didactylus é capaz de produzir substâncias tóxicas que são libertadas para a água, possivelmente através do muco, e que induzem alterações fisiológicas e neurotoxicidade, levando à morte dos indivíduos da espécie S. aurata, apesar de que o efeito se fazer sentir apenas em concentrações elevadas. Dado o facto de que, os efeitos mais severos serem encontrados na “água de xarroco” machos, e de nesta espécie serem os machos que protegem os ninhos, é possível que a função primária desta toxina esteja associada aos cuidados parentais, no sentido de ser um mecanismo utilizado para repelir organismos que se aproximem dos ninhos e das posturas. Este trabalho consistiu numa primeira abordagem aos possíveis efeitos da toxina produzida pelo xarroco lusitano, que poderá servir como base para futuros estudos, com o foco de identificar e caracterizar quimicamente esta toxina, identificar os mecanismos que estão por detrás da sua produção e libertação, e compreender a sua função biológica e/ou ecológica. Several fish species have shown the ability to produce biotoxins, that are used as a means of protection against predators or to subdue prey. The Batrachoididae family of fish, commonly referred to as toadfishes, presents several species that have been described to produce toxic compounds. This family can be divided into four subfamilies, Thalassophryninae, Porichthyinae, Batrachoidinae, and Halophryninae. The subfamily Thalassophryninae is the most studied, due to the species belonging to this subfamily, being able to produce strong venoms. Batrachoididae members belonging to the Porichthyinae and Batrachoidinae, have also been described to be able to produce toxic compounds. Preliminary experiments have shown that the species Halobatrachus didactylus, belonging to the Halophryninae subfamily, is also able to produce toxic substances, and the water containing these substances has a strong impact on various fish species. The objective of this thesis is to evaluate the toxic effects of this uncharacterized biotoxin, in the fish species Sparus aurata. To evaluate the toxic effects, several in vivo and in vitro experiments were performed. The in vivo experiments consist of performing chronic and acute exposures of the target fish, using different concentrations of toxin, with the intent of analysing the effects on several haematological parameters, plasmatic indicators, and behaviour. In vitro experiments consisted, of studying the destructive effect of the toxin on the erythrocytes and analysing the effects on the function of the olfactory nerve of the target fish. The obtained results indicate that the H. didactylus toxin causes an effect on the previously mentioned parameters, when present in high concentrations, especially if it is produced by male specimens. This indicates that the toxin may be used to repel organisms during nest defence. Follow-up studies should focus on the characterization, and production of the toxin.