Depois de publicar em 1892 o conto “Civilização”, Eça de Queirós passará os últimos anos da vida empenhado na drástica refundição da breve narrativa numa obra novelística de maior estro, concebida como parte de uma vasta colecção ficcional de narrativas fantasistas curtas. No atormentado processo de recriação, aperfeiçoamento, e sistemáticas emendas, que resultará na publicação póstuma, a narrativa surgirá articulada não só sobre idênticos referentes diegéticos, mas também sobre as mesmas essenciais tese (a da supremacia da civilização sobre a natureza), antítese (o ingresso acidental no espaço da natureza), e síntese (a natureza reconcilia o homem com a vida). Desde o binómio simplificado da trama, entre a desumanização materialista da Cidade-Civilização, e a espiritualidade redentora da Serra-Natureza, ambas as narrativas se enriquecem de excepcionais potencialidades estilístico-simbólicas, para as quais concorrem poderosamente as referências temáticas ao contexto alimentar e gastronómico, já notadas pela crítica literária como motivo obsidiante no imaginário queirosiano. À luz desse peculiar enquadramento expressivo polarizado − dos prazeres da mesa e do enfartamento − pretendemos revisitar comparativamente as narrativas queirosianas “Civilização” e A Cidade e as Serras, sem deixar de, através delas, procurar recuperar as memórias culturais da Antiguidade Clássica e sua pervivência no imaginário simbólico do Ocidente., After publishing the short story “Civilização” in 1892, Eça de Queirós will spend the last years of his life engaged in the drastic refoundation of the brief narrative in a novelistic work of greater estrus, conceived as part of a vast fictional collection of other short fantasistic narratives. In the tormented process of recreation, improvement, and systematic amendments, which will result in posthumous publication, the narrative will appear articulated not only on identical diegetic referents, but also on the same essential thesis (that of the supremacy of civilization over nature), antithesis (accidental entry into the space of nature), and synthesis (nature reconciles man with life). From the simplified binomial of the plot, between the materialistic dehumanization of the City-Civilization, and the redemptive spirituality of the MountainNature, both narratives are enriched by exceptional stylistic-symbolic potentialities, to which thematic references to the food and gastronomic context (already noted by literary criticism as an obsidian motif in the Queirosian imagination) strongly contribute. In the light of this peculiar polarized expressive framework − the pleasures of the table and infarction − we intend to comparatively revisit the Queirosian narratives “Civilização” and A Cidade e as Serras, in order to recover the cultural memories of Classical Antiquity and its survival in the symbolic imaginary of the West.