Introdução: O consumo de crack tem sido alvo de grande preocupação, em função de sua expansão em várias regiões, além do aumento da prevalência do seu consumo nas últimas décadas, especialmente no Brasil. Os resultados de pesquisa em neuroimagem nesse campo são sobre alterações do uso de cocaína, substância semelhante ao crack, mas este possui diversas particularidades que, clinicamente, o tornam potencialmente mais agressivo e danoso ao organismo. Não se sabe se tais semelhanças também são compartilhadas no que diz respeito a modificações de volumes cerebrais. Os transtornos aditivos, de modo geral, afetam o sistema de recompensa, mas também circuitos cerebrais envolvidos com condicionamento, motivação e função executiva (controle inibitório, atribuição de valores e tomada de decisão). As drogas representam um complexo estressor para o organismo. À medida em que o uso ocasional se torna abusivo e crônico, há recrutamento duradouro dos mecanismos regulatórios do cérebro, modificando eixos fisiológicos de homeostase. Em 2011, Volkow et al propuseram um modelo de alteração do neurocircuito cerebral em um cérebro adicto em comparação com o funcionamento de um cérebro não-adicto. O objetivo desta tese foi investigar as alterações de volume cerebral, corticais e subcorticais, em usuários de crack, bem como avaliar a associação destes achados com o modelo de três estágios proposto por Volkow e Koob. Método: estudo de caso-controle, com amostra de 15 usuários de crack e 15 controles saudáveis, pareados por gênero, idade, escolaridade e lateralidade, recrutados na Unidade de Adição da Unidade Álvaro Alvim do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Realizaram exame de Ressonância Magnética Nuclear após pelo menos 15 dias de desintoxicação. Foram excluídas comorbidades neurológicas, inflamatórias, cardiovasculares ou 8 sistêmicas. Os volumes das estruturas corticais e subcorticais foram determinados usando o programa Freesurfer v5.3. Resultados: Artigo 1. Os dois grupos (casos e controles) não diferiram em relação à idade, gênero (todos os indivíduos eram do sexo masculino), educação, estado civil e ocupação principal. Todas as variáveis na amostra tiveram distribuição normal. Os usuários de crack tiveram menores volumes no núcleo accumbens esquerdo (t = 3,604, df = 28, p = 0,001) em relação aos pacientes. Os volumes do núcleo accumbens direito também foram menores nos pacientes e apresentaram diferenças significativas entre os grupos (t = 2,098, df = 28, p = 0,045). Os grupos não diferiram em relação aos volumes intracranianos (p = 0,514). Artigo 2. Os pacientes tiveram volumes de amígdala menores do que os controles, (F (1,28) = 5,885, p = 0,023). O córtex pré-frontal dorsolateral (dLPFC) também foi menor entre os usuários de crack quando comparado aos controles (F (1,28) = 5,447, p = 0,027). Não houve diferença entre os volumes do córtex orbitofrontal (F (1,28) = 2,917, p = 0,100) e ínsula (F (1,28) = 2,815, p = 0,105) entre os grupos. Houve uma tendência à significância entre os grupos no córtex cingulado Anterior (F (1,28) = 3,992, p = 0,056) e hipocampo (F (1,28) = 3,535, p = 0,071). Entre os casos, todos os volumes estudados não se correlacionaram com variáveis clínicas de gravidade (anos de dependência de crack, idade de primeiro uso, número diário de pedras de crack , e duração da abstinência). Os grupos não diferiram em relação à idade, educação, estado civil e ocupação. Todos eram homens e destros. Conclusões: Os resultados deste trabalho mostram que a população de usuários de crack possui volumes cerebrais reduzidos em regiões corticais e subcorticais. Estas regiões estão implicadas nos sistemas de recompensa, de motivação, de funções executivas e memória, e estão de acordo com os estágios propostos por Volkow e Koob e com as teorias de neuroprogressão das adições. Desta forma, tais achados podem auxiliar na compreensão da fisiopatologia do Transtorno por Uso de Crack e corroboram os déficits cognitivos já evidenciados clinicamente nesta população. Entretanto, ressalta-se a importância de estudos longitudinais com o objetivo de avaliar a causalidade e reversibilidade destas alterações, a fim de nortear futuras intervenções terapêuticas em um grupo tão complexo e grave. Introduction: Crack-cocaine consumption has been a major concern due to its geographical expansion, followed by a recent increase in its prevalence especially in Brazil. Neuroimaging research currently available is limited to cocaine use, a precursor of crackcocaine. Clinically, crack-cocaine has several peculiarities that make it potentially more aggressive and damaging to the body when compared to cocaine. It is not known whether such similarities are also shared regarding changes in brain volumes. Addictive disorders, in general, affect the reward system, but also brain circuits involved with conditioning, motivation, and executive function (i.e. inhibitory control and decision making). Drugs represent a complex stressor for the body. As occasional use becomes abusive and chronic, there is a lasting recruitment of the regulatory mechanisms of the brain, modifying physiological axes of homeostasis. In 2011, Volkow et al proposed a model of brain neurocircuit alteration of addicted brains compared to the functioning of a non-addicted brain. In this sense, the aim of this thesis was to investigate changes in cortical and subcortical brain volumes in crack-cocaine users, as well as to evaluate the association of these findings with the three-stage model proposed by Volkow and Koob. Method: This is a case-control study, with a sample of 15 crack-cocaine users and 15 healthy controls, matched by gender, age, education and handedness, recruited at the Álvaro Alvim Addiction Unit of the Hospital de Clinicas de Porto Alegre (HCPA). They underwent structural MRI after at least 15 days of detoxification. Neurological, inflammatory, 11 cardiovascular or systemic comorbidities were excluded. The volumes of the cortical and subcortical structures were determined using the Freesurfer v5.3 program. Results: Article 1. The two groups (patients and controls) did not differ regarding age, gender (all individuals were male), education, marital status and occupation. Controls had higher volumes in the left nucleus accumbens (t = 3.604, df = 28, p = 0.001) compared to patients. Right nucleus accumbens volumes were also higher in controls and showed significant differences between groups (t = 2.098, df = 28, p = 0.045). Groups did not differ in relation to intracranial volumes (p = 0.514). Article 2. Patients had lower amygdala volumes than controls (F (1,28) = 5.885, p = 0.023). The dorsolateral prefrontal cortex (DLPFC) volumes were reduced among crack-cocaine users when compared to controls (F (1,28) = 5.447, p = 0.027). No difference was found between groups in Orbitofrontal cortex (F (1,28) = 2.917, p = 0.100) and insula (F (1,28) = 2.815, p = 0.105) . There was a trend toward significance between groups in the anterior cingulate cortex (F (1,28) = 3.992, p = 0.056) and hippocampus (F (1,28) = 3.535, p = 0.071). Among patients, volumes of all structures assessed were not correlated with clinical variables of severity (years of crack dependence, age of first use, daily number of crack-cocaine rocks, and duration of abstinence). Groups did not differ regarding age, education, marital status and occupation. They were all men and right-handed. Conclusions: Our findings show that the population of crack users had smaller cerebral volumes in cortical and also subcortical regions compared to matched controls. These regions are implicated in reward systems, motivation, executive functions, and memory; and are in line with the theories of neoruprogression in substance use disorders. Thus, our findings may help in 12 understanding the pathophysiology of Crack-cocaine Use Disorder and it is in agreement with the cognitive deficits already clinically evidenced in this population. However, the importance of longitudinal studies evaluating the causality and reversibility of these alterations, in order to guide future therapeutic interventions in such a complex and severe group, is emphasized.