Tese de doutoramento em Sociologia (área de especialização em Sociologia e Metodologia Fundamentais), Esta dissertação procura entender a problemática da criminalidade quando associada a grupos estrangeiros e étnicos em Portugal, designadamente os estrangeiros dos PALOP e Leste europeu e o grupo étnico cigano. A análise desta questão fez-se sob um triplo ponto de vista: pela recolha das representações sociais em torno das práticas criminais destes grupos sociais construídas e projetadas tanto pela imprensa em Portugal, como por atores do sistema de justiça criminal, nomeadamente, guardas prisionais e elementos da direção de estabelecimentos prisionais; pela análise das estatísticas prisionais existentes; por último, pela particular atenção conferida às trajetórias criminais ou de incriminação nos percursos de vida de homens e mulheres dos referidos grupos sociais, em cumprimento de pena efetiva de prisão. A relevância social do tema é indissociável da sua construção social e científica. Objeto de múltiplas associações preconceituosas e estereotipadas por parte do senso comum, pelos meios de comunicação social e pelo próprio sistema de justiça criminal; e sendo ainda uma questão muito pouco estudada academicamente em Portugal, contrariamente ao que acontece a nível internacional, há muitas perguntas ainda que permanecem sem resposta e que necessitam de ser investigadas de uma forma sistemática e aprofundada. Tomando conhecimento da complexidade que o fenómeno do crime adquire quando interligado com os grupos imigrantes/estrangeiros e étnicos, tentando colmatar uma ausência nos estudos científicos a nível nacional e adotando uma postura crítica relativamente a lógicas que essencializam a cultura e as opções pessoais como sendo explicações para o envolvimento no crime, sublinha-se a importância de olhar os homens e as mulheres estrangeiros e do grupo étnico cigano como sujeitos condicionados pelas suas múltiplas exclusões e desigualdades sociais. De uma forma multidireccionada e tentando dar uma visão do conjunto, interessou investigar (i) as representações sociais construídas em torno destes grupos quando diretamente relacionados com práticas criminais; (ii) a existência ou não de uma associação direta, estatisticamente falando, entre estes grupos e determinados tipos de crime; e (iii) os mecanismos que permitem compreender e explicar a sobrerepresentação destes grupos nos estabelecimentos prisionais portugueses. Na sequência destes pressupostos, encarou-se o fenómeno do crime como sendo um facto social com diferentes camadas de análise, que são passíveis de ser analisadas através dos diferentes atores sociais – os media, profissionais do sistema criminal e reclusos e reclusas. As desigualdades e exclusões sociais são produzidas e reproduzidas pela ação social dos diversos tipos de atores sociais e esta, por sua vez, é estruturada pelas condições (pre)existentes das desigualdades. Por isso, impôs-se não só a intersecção dos diversos tipos de desigualdades – classe, género, etnia/nacionalidade – nas condições objetivas de vida dos indivíduos, como uma hierarquização dos níveis de análise – o nível socio-estrutural, o organizacional e o interacional –, para compreender o fenómeno nos diversos patamares da “causalidade estrutural”. Especificamente no que toca às trajetórias dos reclusos e reclusas consideramos importante focar o cruzamento de três abordagens teóricas principais: as teorias da ação estruturada, as perspetivas da interseccionalidade e o interacionismo simbólico. Numa primeira fase da investigação, assumiu-se como referente empírico a imprensa: a análise de notícias permitiu perceber a existência de uma produção e reprodução de imagens da realidade criminal de imigrantes/estrangeiros e grupo étnico cigano que têm implicações na formação de estereótipos sobre as condutas destes grupos sociais e que serve de base à criação de pânicos morais em torno de determinadas franjas sociais em situação de exclusão social. Numa segunda fase da investigação realizada dentro de seis estabelecimentos prisionais portugueses, os referentes empíricos foram as entrevistas a guardas prisionais, a elementos da direção e a reclusos e reclusas estrangeiros dos PALOP, do Leste Europeu e de etnia cigana que cumpriam pena efetiva de prisão. Entrevistaram-se 30 guardas e 9 elementos da direção prisionais, de onde foi possível retirar que os seus discursos se apoiam, em larga medida, na proximidade institucional que possuem com os reclusos, sendo, porém, igualmente visível que as representações que partilham em torno dos reclusos que integram estes grupos sociais projetam construções culturais estereotipadas que circulam noutras esferas da vida em sociedade, de que é exemplo a imprensa. Analisaram-se 540 processos individuais de reclusos, que permitiram uma aproximação estatística e a caracterização sociológica da população em estudo, de onde foi possível concluir que o sistema de justiça criminal parece penalizar ou selecionar a população que reclui, com base na sua etnia/nacionalidade, bem como na sua posição objetiva de vida, que inclui variáveis de género e de classe. Realizaramse ainda 68 entrevistas a reclusos (48 homens e 20 mulheres) que permitiram, através da análise do sentido conferido pelos atores às suas trajetórias de vida, a compreensão, da parte do investigador, que os crimes são efeitos conjugados de situações de desigualdade e processos de exclusão social, para os quais contribuem os preconceitos e estereótipos, assim como formas de racismo institucional e quotidiano. Tais situações e processos despoletam comportamentos desviantes e/ou detenções, condenações e reclusão., This thesis aims to understand the problem of crime when associated with foreigners and ethnic groups in Portugal, particularly foreigners from African ex-colonies and Eastern Europe and Roma individuals. For that purpose, it was prepared an analysis under a triple point of view: the collection of social representations around the criminal practices of these social groups built and designed both by the press in Portugal and by actors of the criminal justice system, including prison guards and elements of the direction of prisons; the analysis of the existing prison statistics; and, finally, the particular attention given to the criminal trajectories of men and women of these social groups who were serving a sentence of imprisonment. The social relevance of the subject is inseparable from its social and scientific construction. Being subject of many prejudiced and stereotypical associations by common sense, the media and the criminal justice system; and very little academically studied in Portugal, contrary to what happens internationally, there are many questions that still remain unanswered and that need to be unveiled in a systematic and in depth way. Acknowledging the complexity of the phenomenon of crime when interconnected with immigrants / foreigners and ethnic groups; trying to fill a lack in scientific national studies; and adopting a critical stance regarding the logics that essentialize the culture and the personal options as explanations for the criminal participation, we emphasize the importance of analyzing men and women, foreigners and gypsies, as subjects conditioned by its multiple social exclusions and social inequalities. In a multi-targeted way, and trying to give a vision of the whole, we investigate (i) the social representations constructed about these individuals when directly related to practices considered criminal, (ii) the existence of statistical direct association between these individuals and certain types of crime, and (iii) the mechanisms that allow us to understand and explain the overrepresentation of these individuals in Portuguese prisons. Following these assumptions, we study crime as a social fact with different layers of analysis that can be analyzed through different social actors – media, professionals of the criminal justice system, and prisoners. Since social exclusions and social inequalities are produced and reproduced by social action of various types of social actors, and this, in turn, is structured by the (pre)existing inequalities conditions; it was required not only an intersection of the various types of inequalities – class, gender, ethnicity/nationality – on the individuals’ objective living conditions, as a hierarchy of levels of analysis – the socio-structural, organizational and interactional – to be aware of the various levels of "structural causality". Specifically with regard to the life paths of male and female prisoners, we consider the importance of focusing on the intersection of three main theoretical approaches: theories of structured action, the perspectives of intersectionality, and symbolic interactionism. In the first stage of the investigation, it was assumed as empirical referent the national press, which revealed us the existence of a production and reproduction of distorted images of the criminal reality related to immigrants/aliens and gypsies which have implications in the formation of derogatory stereotypes and serves as the basis for the creation of moral panics. In the second stage of the investigation, the empirical referents – within 6 Portuguese male and female prisons – were the prison guards and direction members, and the foreign prisoners from African ex-colonies and Eastern Europe and Roma individuals actually serving time in prison interviews. We interviewed 30 prison guards and 9 direction members, and it was possible to withdraw that their speeches rely largely on institutional closeness they have with prisoners, but it is also visible that the shared representations they have projects stereotypes messages that circulate in other spheres of social life, as the press. We analyzed 540 prisoners’ individual processes, which allowed for a structured approach to statistics and sociological characterization of the population in study; it was concluded that the system penalizes or select the prisoners based on their ethnicity / nationality, as well as its objective living positions, which include variables such as gender and class. We also interviewed 68 prisoners – 48 male and 20 female prisoners – that allowed understanding, through the analysis of the meaning given by actors to their life paths, that crimes are effectively combined effects of inequality and social exclusion processes, which contribute to the prejudices and stereotypes, as well as forms of institutional and daily racism. Such situations and processes trigger deviant behavior and/or the detentions, convictions and incarceration.