Orientador: Ivan Sazima Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Biologia Resumo: Este estudo trata da história natural de peixes do Pantanal, em especial os hábitos alimentares e de defesa contra predadores que estes animais possuem. Os estudos de campo foram feitos em lagoas, vazantes e corixos que ladeiam a Rodovia Transpantaneira, no "Pantanal de Poconé", Município de Poconé, Mato Grosso (16° 30' S 56° 45' W) e em locais semelhantes do "Pantanal de Barão de Melgaço", Município de Santo Antônio de Leverger, Mato Grosso (16° 06' S, 55° 50' W). As viagens ao campo foram sucessivas e abrangeram os três períodos principais do Pantanal: cheia, vazante e seca. Os dados foram colhidos a partir do mês de setembro de 1986 até maio de 1999, num total de 1325 horas de observações de campo, das quais cerca de 70% no período de vazante, cerca de 10% no período de cheia e de 20% no período de seca. Os hábitos dos peixes foram estudados em sessões de observações naturalísticas acompanhando os animais nos seus horários de atividade alimentar (diurna ou noturna). As espécies de peixes observadas e suas seqüências comportamentais foram registradas em placas de PVC branco, a lápis. As observações subaquáticas foram feitas em locais com profundidade de 0,5 a 1,7m, com um mínimo de perturbação aos animais. As espécies de peixes estudadas foram divididas em quatro grandes. categorias alimentares: herbívoras, carnívoras, onívoras e detritívoras. O modo de forragear foi dividido em dez categorias: andarilho, caçador de espera, caçador sorrateiro, catador, fossa dor, raspador de pele, pastador, podador, revolvedor de fundo e sondador de fundo. Os itens alimentares foram identificados à vista desarmada durante as sessões de observação ou examinados em análises do conteúdo estomacal com o auxílio de estereomicroscópio e microscópio ótico. Os mecanismos de defesa contra predadores foram estudados por meio de observação direta de interações interespecíficas, durante sessões de mergulho. A época de reprodução dos peixes foi estudada acompanhando-se as migrações reprodutivas que as espécies reofilicas fazem pelos rios no início das chuvas, principalmente para as espécies de maior porte. Para as espécies reconhecidamente lacustres, o período de reprodução foi acompanhado por observação de mudança do padrão de cor e cuidado à prole. As coletas foram feitas com tarrafas, peneiras finas e, ocasionalmente, anzóis. As coletas no rio Piraputanga foram realizadas em três dias consecutivos, abrangendo várias fases do ciclo nictimeral. Os exemplares estão depositados nas coleções do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP), do Museu de História Natural da Universidade Estadual de Campinas (ZUEC) e do Laboratório de Vertebrados do Departamento de Biologia e Zoologia, Instituto de Biociências da Universidade Federal do Estado de Mato Grosso (UFMT). No Pantanal existem registradas 263 espécies de peixes. No estudo de comunidades de peixes de um pequeno trecho do rio Piraputanga, registrei 74 espécies. Isto demonstrou que nesta área reduzida houve ocorrência de cerca de 30% do total de espécies existentes no Pantanal. Isto pode ser considerado não como um evento fortuito, mas sim como um ambiente com expressiva riqueza de espécies. A riqueza de peixes do Pantanal pode ser decorrência da rica variedade de ambientes, que propicia abrigo e alimentação. A composição trófica e de modos alimentares, nos conjuntos de peixes, pode variar desde predadores especializados a herbívoros generalistas. Numerosos tipos de interações alimentares ocorrem entre peixes do alto Pantanal, exemplificados por variados tipos morfológicos e modos de obter o alimento e explorar o ambiente, caracterizando peixes carnívoros (alguns Characidae, Pimelodidae, Cichlidae), herbívoros (um Anostomidae, alguns Characidae, alguns Cichlidae), onívoros (Anostomidae, alguns Characidae) e detritívoros (Curimatidae, Prochilodontidae). Peixes, devido sua abundância local, são presas muito freqüentes em ambientes aquáticos do Pantanal. Por este motivo, possuem numerosas defesas antipredatórias. Mecanismos antipredatórios em peixes do Pantanal incluem defesa primária como Camuflagem (Catoprion mento, Hoplias cf. malabaricus, Crenicichla spp., Astronotus ocellatus, Potamorrhaphis eigenmanni) e mimetismo (Piaractus mesopotamicus jovem, como suposto mímico de Pygocentrus nattereri; Corydoras hastatus_ suposto mímico de Serrapinnus spp.; Bujurquina vittata, suposto mímico de Satanoperca pappaterra); e defesa secundária, como fuga (a maioria das espécies), intimidação (Pimellodela gracilis, Satanoperca pappaterra, Astronotus ocellatus) e retaliação (Crenicichla lepidota, Cichlasoma dimerus). Os mecanismos defensivos aqui descritos agem de forma conjunta e possivelmente diminuem a forte pressão de predação exerci da por animais piscívoros no Pantanal. Os padrões reprodutivos dos peixes no Pantanal são definidos pela época das chuvas, que têm seu início no mês de outubro, para as espécies reofilicas como Brycon hilarii, Piaractus mesopotamicus, Mylossoma spp.. Os Erythrinidae, alguns Siluriformes menores, Cichlidae e Synbranchidae têm sua reprodução nos sistemas de lagoas, porém, existem espécies que têm seus processos reprodutivos desconhecidos, não quanto a época, mas quanto suas preferências ambientais e fisiologia. Alguns conjuntos de peixes podem ser destacados para o Pantanal, diurnos (Pygocentrus nattereri e Serrasalmus spp., Mylossoma spp., e diversos Cichlidae) e noturnos (Pseudoplatystoma spp., Cynopotamus kincaidi e Roeboides descalvadensis, Eigenmannia virescens e Rhamphichthys hahni). No Pantanal, os peixes representam um papel de grande importância para a manutenção do sistema, inclusive como fonte de alimento para vários outros tipos de vertebrados, como é o caso de aves piscívoras que dependem dos peixes em todo o seu ciclo de vida Abstract: This study deals with the natural history of fish of the Pantanal, espcially the feeding habits and means of defence against predators that these animals possess. The field studies were carried out in lagoons, 'vazantes' (drainage channels) and 'corixos' (lake outlets) that are found alongside the Transpantaneira Highway, in the Poconé region of the Pantanal, Mato Grosso (16° 30' S 56° 45' W) and in similar places of the Barão de Melgaço region of the Pantanal in the district of Saint Antonio de Leverger, Mato Grosso (16° 06' S, 55° 50' W). The field trips were successive and encompassed the three main periods of the Pantanal: the rainy season, the period of draining and the dry season. The data was collected from the month of September 1986 to May 1999, in a total of 1325 hours of field comments, of which about 70% was during the draining period, about 10% in the rainy season and 20% in the dry season. The habits of the fish were studied during sessions of natural observation during their feeding times (diurnal or nocturnal). The species of fish observed and their behavioural sequences were recorded in pencil on boards of white PVC. The underwater observations were carried out in locations where the water depth was between 0.5m and 1.7m, with a minimum of disturbance to the animals. The studied species of fish were divided into four large feeding categories: herbivores, carnivores, omnivores and detritivores. The means of finding food was divided into ten categories: rovers, waiter hunting, stealth hunting, scavenging, searching, skin-scraping, grazing, trimming/cutting, deep diving and deep searching. The food items were identified by sight by disarming them during the observation sessions or by examination in analyses of the stomach contents with the aid of a stereomicroscope and an optical microscope. The mechanisms of defence against predators were studied by means of direct observation of inter-species interaction, during diving sessions. The period of reproduction of the fish was studied by following the reproductive migrations that the rheophilic species perform in the rivers at the beginning of the rains, mainly for the larger species. For the recognisably lacustrine species, the reproduction period was observed through the change of their normal colours and during the care of the offspring. Collections were carried out using nets, fine sieves and, occasionally, hooks. The collections in the river Piraputanga were carried out during three consecutive days, encompassing several different phases of each 24 hour cycle. The samples are stored at the Museum of Zoology of the University of São Paulo (MZUSP), the Museum of Natural History of the State University of Campinas (ZUEC) and of the Laboratory of Vertebrates of the Department of Biology and Zoology, Institute of Bioscience of the Federal University of the State of Mato Grosso (UFMT). In the Pantanal there are 263 recorded species of fish. In the study of fish communities along a small stretch of the river Piraputanga, I registered 74 species. This demonstrated that in this reduced area there was an occurrence of about 30% of the total of existing species in the Pantanal. This can be considered not as a fortunate coincidence, but rather as proof of an environment with a substantial wealth of species. The wealth of fish in the Pantanal may be a result of the rich variety of environments, that provide shelter and food. The trophic composition and means of feeding, in the groups of fish, can vary from specialised predators to generalised herbivores. Numerous types of feeding interactions occur between fish of the high Pantanal, exemplified by the various morphology types and means of obtaining food and exploring the environrnent, characterising carnivorous fish (some Characidae, Pimelodidae, Cichlidae), herbivores (a Anostomidae, some Characidae, some Cichlidae), ornivores (Anostomidae, some Characidae) and detritivores (Curimatidae, Prochilodontidae). Fish, due to their abundance, are frequent prey in the aquatic environrnents of the Pantanal. For this reason, they possess numerous anti-predatory defences. Anti-predatory mechanisms in fish of the Pantanal include primary defence such as camouflage (mento Catoprion, Hoplias cf. malabaricus, Crenicichla spp., Astronotus ocellatus, Potamorrhaphis eigenmanni) and imitation (young Piaractus mesopotamicus, imitating Pygocentrus nattereri; Corydoras hastatus imitating Serrapinnus spp.; Bujurquina vittata, imitating Satanoperca pappaterra); and secondary defence such as escape (the majority of the species), intimidation (Pimellodela gracilis, Satanoperca pappaterra, Astronotus ocellatus) and retaliation (Crenicichla lepidota, Cichlasoma dimerus). The defensive mechanisms described here act in conjunction and possibly diminish the strong influence of the fish-eating predators in the Pantanal. The reproductive methods of the fish in the Pantanal are defined by the time of the rains, that begin in the month of October, for the rhoephilic species such as Brycon hilarii, Piaractus mesopotamicus, Mylossoma spp.. The Erythrinidae, some lesser Siluriformes, Cichlidae and Synbranchidae reproduce in the system of lagoons. However, there are species whose reproductive processes are unknown, not in so far as the reproductive period is concerned, but in terms of how their preferred environments and their physiology. Some groups offish stand out in the Pantanal, the diurnal (Pygocentrus nattereri and Serrasalmus spp., Mylossoma spp., and diverse Cichlidae) and the noctumal (Pseudoplatystoma spp., descalvadensis Cynopotamus kincaidi and Roeboides, Eigenrnannia virescens and Rhamphichthys hahni). In the Pantanal, the fish play a role of great importance for the maintenance of the system, and as a source of food for several other types of vertebrates, as is the case of fish-eating birds that depend on fish throughout the whole of their life cycle Doutorado Doutor em Ecologia