Orientadores: Rubens Maciel Filho, Mark van Loosdrecht, Sindelia Freitas Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia de Alimentos e Delft University of Technology Resumo: Atualmente, a indústria da biotecnologia encara o desafio de produzir produtos equivalentes aos derivados do petróleo a partir de recursos renováveis, de maneira sustentável e economicamente viável. Encontrar alternativas mais limpas para substituir combustíveis e produtos químicos de origem fóssil têm sido objeto de pesquisas em todo o mundo, seja por razões econômicas, geopolíticas ou ambientais. Entre essas alternativas, merecem destaque os combustíveis líquidos derivados da conversão de biomassa lignocelulósica, conhecidos como combustíveis de segunda geração ou 2G. No contexto da produção de etanol de segunda geração a partir de matérias-primas lignocelulósicas, o principal açúcar utilizado na fermentação, a glicose, provém da hidrólise da celulose sendo que uma parte significativa de açúcares, nomeadamente pentoses (C5), não são metabolizados pelas cepas selvagens industriais de Saccharomyces cerevisiae, largamente utilizadas nas usinas de etanol. Dentre várias possibilidades de uso do C5 como matéria-prima, a conversão em butanol tem atraído o interesse por suas extensas possibilidades de aplicação como produto químico, intermediário químico e/ou combustível avançado com propriedades físicas próximas à gasolina. O butanol pode ser produzido a partir de derivados de petróleo (processo oxo de propileno) ou a partir de matérias-primas renováveis (processo acetona, butanol e etanol (ABE)). A fermentação ABE é realizada por bactérias solventogênicas do gênero Clostridium spp., capazes de metabolizar açúcares C5 e uma grande variedade de outros substratos. Entretanto, a rota biológica de produção de butanol é desafiadora e sua viabilidade econômica em escala industrial enfrenta obstáculos como: inibição do butanol, baixa eficiência energética do processo, baixo rendimento e baixa produtividade, além do custo relativamente alto do substrato, representando até dois terços dos custos do processo de produção de butanol. Portanto, a recuperação eficiente de butanol do caldo de fermentação diluído (~12 g de butanol/L) determina em grande parte a eficiência do processo de produção. Além disso, em um processo 2G, a fermentação ABE é sensível a compostos inibitórios presentes no hidrolisado hemicelulósico gerados no pré-tratamento da biomassa. Diante desses desafios e considerando o alto impacto que o uso de matérias-primas lignocelulósicas de baixo custo poderia representar, este trabalho tem como objetivo explorar diferentes estratégias para contribuir com o desenvolvimento de configurações de biorrefinaria com base na cana-de-açúcar focadas na valorização de açúcares C5. Portanto, no Capítulo 2, é descrito um estudo sistemático da fermentação de quatro cepas de Clostridia do tipo selvagem, C. acetobutylicum DSM 6228, C. beijerinckii DSM 6422, C. saccharobutylicum DSM 13864 e C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923, como potenciais candidatos para a biossíntese de ABE usando xilose ou glicose como fonte primária de carbono. Destaca-se a capacidade de C. saccharobutylicum DSM 13864 e C. saccharoperbutilylacetonicum DSM 14923, bem como a notável capacidade dessa última cepa em atingir um título de ABE relativamente alto (>7,0 g/L) do hidrolisado hemicelulósico não detoxificado. Os resultados indicaram o potencial de C. saccharoperbutilacetonicum DSM 14923 como uma plataforma microbiana promissora para a produção de butanol de segunda geração. Por fim, são apresentados novos insights de C. sacharoperbutilacetonicum DSM 14923 sobre seu desempenho fermentativo, efeito sinérgico dos inibidores, robustez e tolerância ao butanol. Posteriormente, o Capítulo 3 aborda um estudo sobre a aplicabilidade de misturas de hidrolisado hemicelulósico (HH) e melaço de cana (SCM) como substratos para a produção de ABE de segunda geração. A co-fermentação desses dois substratos foi avaliada como uma estratégia para diminuir as concentrações dos inibidores presentes na HH, evitando assim os custos das etapas de detoxificação. Os melhores resultados em termos de concentração de ABE (8,22 g/L) e rendimento (0,34 g/g) foram obtidos no meio contendo 75% dos açúcares provenientes de SCM. Quando o HH foi concentrado (de 15 a 52 g/L), tanto o título quanto o rendimento de ABE aumentaram para 9,79 g/L e 0,36 g/g, respectivamente, provavelmente como resultado de um efeito sinérgico positivo entre baixas concentrações de 5-hidroximetilfurfural (HMF) e os compostos dos meios. A preferência de açúcar da cepa nesses meios mistos foi glicose> frutose> sacarose> xilose> arabinose. Os resultados obtidos demonstraram que a adição de SCM em altas proporções promoveu a bioconversão efetiva de hidrolisados C5 concentrados em butanol com altos rendimentos e produtividades. Assim, novos insights foram obtidos sobre a potencialidade da produção de butanol contribuindo para uma biorrefinaria de cana-de-açúcar. Além disso, duas estratégias para aumentar a produtividade de butanol do processo foram abordadas com o objetivo de aliviar a inibição do produto nas células e permitir o processamento de soluções concentradas de açúcar: i) uma tecnologia de fermentação com recuperação integrada do produto por meio de vácuo intermitente (Capítulo 4), e ii) uma pesquisa aprofundada da formação de biofilme por C. sacharoperbutilylacetonicum DSM 14923. Nesta última estratégia, a composição e as propriedades das substâncias poliméricas extracelulares (EPS) presentes no biofilme foram comparadas com as das células planctônicas para obter uma melhor compreensão de como o biofilme pode proteger as células contra ambientes adversos (Capítulo 5). No Capítulo 4, fermentações extrativas por batelada de ABE foram realizadas por C. saccharoperbutilacetonicum DSMZ 14923, nas quais ciclos de vácuo intermitentes foram aplicados para remoção in-situ de butanol (Capítulo 4). Primeiramente, uma solução padrão de ABE a 56 mmHg e 25 mmHg a 30 °C foi usada para caracterizar o processo de recuperação a vácuo. Posteriormente, o menor vácuo absoluto foi escolhido para avaliar o impacto da presença de ácido acético, 5-hidroximetilfurfural (HMF) e furfural na evaporação da solução ABE padrão durante a recuperação a vácuo. Durante as fermentações, foi realizada a recuperação in-situ por ciclos de 2 horas a vácuo e 4 horas a pressão atmosférica. A fermentação a vácuo resultou na redução do tempo de fermentação, na conversão de 97% dos açúcares totais, melhoria no crescimento celular e produção de ABE por C. saccharoperbutilylacetonicum. Como resultado, essa abordagem aumentou a produtividade e o rendimento dos solventes ABE. No Capítulo 5, são apresentados inéditos resultados sobre a capacidade do C. saccharoperbutilylacetonicum DSM 14923 de crescer como biofilme, bem como a primeira análise da composição do biofilme em termos de substâncias poliméricas extracelulares (EPS). Para tanto, foram aplicadas técnicas analíticas de ponta, como espectroscopia, cromatografia, análise morfológica e colorimétrica, juntamente com proteômica quantitativa para obter uma caracterização aprofundada desses biofilmes. O crescimento mais rápido do biofilme foi observado em uma alta taxa de diluição (D = 0,28 h-1) durante o cultivo em quimiostato, sob condições acidogênicas. Verificou-se que as células planctônicas, agregados e biofilme continham glicerol, galactosamina, ramnose, glucosamina, glicose e ribose. Xilose e manose foram identificadas apenas na amostra de biofilme. As células de biofilme, agregados e planctônicas continham 4%, 7% e 11% (em peso) respectivamente de equivalentes da mistura de açúcar e 99%, 84% e 53% (em peso) respectivamente de equivalentes de BSA. Portanto, concluiu-se que o biofilme formado por C. saccharoperbutilacetonicum é dominado por polipeptídeos/proteínas. Um número total de 164 proteínas foi enriquecido nas amostras de biofilme quando comparado às células planctônicas das quais 124 foram identificadas, com base na homologia (47%) ou na similaridade de sequência (53%), sendo que 40 não puderam ser caracterizadas. Notavelmente, um homólogo de ?-lactamase foi identificado na amostra de biofilme, indicando possível resistência a antibióticos de células cultivadas em biofilme. No Capítulo 6, o potencial e a robustez do C. saccharoperbutilacetonicum são evidenciados nesta tese. O impacto da produção de butanol usando biofilmes e recuperação de produtos a vácuo no setor da bioenergia, bem como a importância do uso de hidrolisado hemicelulósico de bagaço de cana (um substrato abundante e barato) são destacados como estratégias para resolver parcialmente o problema da viabilidade econômica do processo de fermentação ABE de segunda geração. No entanto, desafios como baixo rendimento e intensidade energética do processo de recuperação devem ser superados para usar com sucesso o butanol como combustível alternativo, mostrando assim a necessidade de futuras investigações para tornar a produção de butanol de segunda geração em escala industrial uma realidade Abstract: Nowadays, the biotechnology industry is facing the challenge of producing suitable equivalents for petroleum-based products from renewable resources in a sustainable and economically feasible way. Finding cleaner alternatives for gasoline, fuels, and chemicals, has been the subject of research worldwide, whether for economic, geopolitical, or environmental reasons. Among these alternatives, liquid fuels derived from biomass stand out for their eco-friendly production. In the context of second-generation (2G) ethanol production from lignocellulosic feedstocks, a significant part of the sugars, namely the pentoses (C5), cannot be metabolized by conventional Saccharomyces cerevisiae yeasts. Amongst several possibilities of using C5 as feedstock, the conversion to butanol is attracting interest because it is a valuable chemical building block and at the same time, an advanced biofuel with closer physical properties to gasoline. Butanol can be produced either from petroleum derivatives (oxo process from propylene) or from renewable feedstocks in the acetone, butanol, and ethanol (ABE) fermentation process by solvent-producing Clostridium spp., which are capable of metabolizing C5 sugars and a wide variety of other substrates. However, bio-based butanol production is more challenging compared to ethanol production and its economic feasibility on an industrial scale faces obstacles such as butanol inhibition, low process energy efficiency, greater separation difficulties compared to ethanol, low yield and low productivity, as well as relatively high substrate cost, representing up to two-thirds of the costs of the whole butanol production process. Hence, efficient recovery of butanol from dilute fermentation broth (~12 g butanol/L) determines, to a large extent, the production process efficiency. Furthermore, in a 2G process, the ABE fermentation is sensitive to inhibitory compounds present in the hemicellulosic hydrolysate generated in the biomass pre-treatment. Facing these challenges and considering the high impact that the usage of low-cost lignocellulosic feedstocks could represent, this work aims to explore different strategies for contributing towards the development of sugarcane-based biorefinery systems, with a primary focus on C5 sugars valorization. Therefore, in Chapter 2, a systematic fermentation study is described of four wild-type Clostridia strains, namely C. acetobutylicum DSM 6228, C. beijerinckii DSM 6422, C. saccharobutylicum DSM 13864, and C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923, as potential candidates for ABE biosynthesis using xylose or glucose as the primary carbon source. Here, the ability of C. saccharobutylicum DSM 13864 and C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 is highlighted, as well as the remarkable ability of the latter strain to reach a relatively high ABE titer (>7.0 g/L) from the non-detoxified hemicellulosic hydrolysate. The results indicated the potential of C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 as a promising microbial platform for second-generation butanol production. New insights regarding the performance, synergistic effect of inhibitors, robustness, and butanol tolerance of C. sacharoperbutylacetonicum DSM 14923 are presented. Subsequently, Chapter 3, addresses a study on the applicability of mixtures of sugarcane bagasse hemicellulosic hydrolysate (HH) and sugarcane molasses (SCM) as substrates for second-generation ABE production. The co-fermentation of these two substrates was investigated as a strategy to lower the concentrations of the inhibitors present in HH, thus avoiding the costs of detoxification steps. The best results in terms of ABE titer (8.22 g/L) and yield (0.34 g/g) were obtained when 75% of the sugars were from SCM. When HH was concentrated (from 15 to 52 g/L), both the ABE titer and yield increased to 9.79 g/L and 0.36 g/g, respectively, most likely as a result of a positive synergistic effect between low concentrations of 5-hydroxymethylfurfural (HMF) and the media compounds. The sugar preference of the strain on these mixed media was as follows: glucose>fructose>sucrose>xylose>arabinose. The obtained results demonstrated that the addition of SCM at high ratios promoted the effective bioconversion of concentrated C5 hydrolysates into butanol at high yields and productivities. Thus, new insights towards a closed-loop path of butanol in a circular economy for the valorization of a sugarcane biorefinery were obtained. In addition, two strategies for increasing the butanol productivity of the process were approached by alleviating product inhibition to the cells and allowing the processing of concentrated sugar solutions: i) a fermentation technology with integrated product recovery by means of intermittent vacuum (Chapter 4), and ii) an in-depth research of biofilm formation by C. sacharoperbutylacetonicum DSM 14923. Hereby the composition and properties of the extracellular polymeric substances present in the biofilm were compared to those of planktonic cells to obtain a better understanding of how the biofilm lifestyle can protect the cells against harsh environments (Chapter 5). Thus, extractive ABE batch fermentations by C. saccharoperbutylacetonicum DSMZ 14923 were carried out in which intermittent vacuum cycles were applied for in-situ butanol removal (Chapter 4). Firstly, an ABE standard solution at 56 mmHg and 25 mmHg at 30 °C was used to characterize the vacuum recovery process. Subsequently, the lowest absolute vacuum was chosen to assess the impact of the presence of acetic acid, 5-hydroxymethylfurfural (HMF), and furfural on evaporation from the standard ABE solution during vacuum recovery. Finally, ABE fermentations were carried out whereby the optimum medium composition obtained in Chapter 3 (i.e., 75% of SCM and 25% of HH) was used. During the fermentations, in-situ recovery by cycles of 2-hours low pressure and 4-hours of atmospheric pressure was performed. Vacuum fermentation resulted in a decrease in the fermentation time, 97% conversion of total sugars, and improved cell growth and ABE production by C. saccharoperbutylacetonicum. As a result, this approach increased ABE productivity and ABE yield. In Chapter 5, entirely novel results are presented about the ability of the wild-type C. saccharoperbutylacetonicum DSM 14923 to grow as a biofilm, as well as the first analysis of biofilm composition in terms of extracellular polymeric substances (EPS). To this end, a comparative study was conducted to investigate the functional mechanisms in biofilms compared to planktonic cells. Hereby we applied cutting-edge analytical techniques such as spectroscopy, chromatography, morphological, and colorimetric analysis, along with quantitative proteomics of sessile and planktonic cells to obtain an in-depth characterization of these biofilms. The fastest biofilm growth was observed at a high dilution rate (D = 0.28 h-1) during chemostat cultivation under acidogenic conditions. Autofluorescence revealed the likely presence of tryptophan. It was found that planktonic cells, aggregates, and biofilm contained glycerol, galactosamine, rhamnose, glucosamine, glucose, and ribose. Xylose and mannose were only identified in the biofilm sample. Biofilm, aggregates, and planktonic cells contained respectively 4 wt%, 7 wt%, and 11 wt% sugar mix equivalents, and respectively 99 wt%, 84 wt%, and 53 wt% BSA equivalents. Therefore, it was concluded that the biofilm formed by C. saccharoperbutylacetonicum is dominated by polypeptides/proteins. A total number of 164 proteins were enriched in the biofilm samples when compared with the planktonic cells, of which 124 were identified, either based on homology (47%) or sequence similarity (53%), and 40 could not be characterized. Most remarkably, a ?-lactamase homolog was identified in the biofilm sample, indicating possible antibiotic resistance of biofilm grown cells. In Chapter 6, the potential and robustness of C. saccharoperbutylacetonicum are evidenced in this thesis. The impact of butanol production using biofilms and vacuum product recovery on the bioenergy sector as well as the importance of using sugarcane bagasse hemicellulosic hydrolysate (an abundant and inexpensive substrate) are highlighted as strategies to partly solve the problem of the economic viability of second-generation ABE fermentation. Nevertheless, challenges such as low yield and energy-intensity of the recovery process must be overcome to successfully apply butanol as an alternative fuel, thus showing the need for future investigations to make second-generation butanol production on industrial scale becomes a reality Doutorado Bioenergia Doutora em Ciências CNPQ 141465/2015-8