Este trabalho de projecto partiu do desenvolvimento de uma ópera de câmara, intitulada Outra Margem, nascida no seio da European Network of Opera Academies. Enquanto libretista, assumi o papel de criar uma narrativa inspirada no Mito de Orfeu, mas, para além dessa premissa, acabei por escrever um libreto inspirado também na história da minha família, assombrada pela esquizofrenia. Este trabalho divide-se em duas grandes partes: a escrita do libreto da ópera, por um lado, e a reflexão acerca dessa mesma escrita e as suas motivações, por outro. Esta reflexão torna-se indissociável do papel que as narrativas desempenham na vida humana, uma vez que estas actuam na forma como o sujeito percepciona a realidade, estrutura o pensamento e, em suma, se constitui. Atendamos que a própria vida se desenrola segundo uma estrutura narrativa. A família, por sua vez, é uma peça fundamental nesse contexto, pois permite ao indivíduo um enquadramento no seu tempo e nas circunstâncias em que está inserido. Escrever sobre a família torna-se, assim, um processo de autoconhecimento, que é desmontado ao longo deste trabalho. A escrita com base na experiência familiar e na memória partilhada torna-se ainda uma técnica de cuidado de si, e porventura de cura, neste tempo moderno, por via da meditação, do retorno a si mesmo e da catarse que a narrativa proporciona ao autor e a quem o lê ou observa. Ao longo de todo este percurso, a alteridade é a corrente que tudo envolve e permite avançar, comportando dimensões que se ligam com a vida fora do palco e dentro dele, com as pessoas reais e as personagens fictícias, com a minha voz enquanto sobrinha e enquanto autora, com o olhar do indivíduo externo à doença psiquiátrica e totalmente mergulhado nela. Todas estas camadas da relação do eu com o outro ficam expressas nas várias componentes criativas do espectáculo (libreto, música e encenação), revelando que, em suma, história e vida se fundem, co-habitando no mesmo habitat, tornando-se água comum do mesmo rio. This project work started from the development of a chamber opera, entitled Outra Margem, born within the European Network of Opera Academies. As librettist, I assumed the role of creating a narrative inspired by the Myth of Orpheus, but, beyond that premise, I endedup writing a libretto inspired by the story of my family, haunted by schizophrenia. This work is divided into two major parts: the writing of the opera libretto, on one hand, and the reflection about that same writing and its motivations, on the other. This reflection becomes inseparable from the role that narratives play in human life, since they act on the way the subject perceives reality, structures thought and, in short, constitutes himself. Let us bear in mind that life itself unfolds according to a narrative structure. The family, in turn, is a fundamental piece in this context, since it allows the individual to fit into his time and circumstances. Writing about the family thus becomes a process of self-knowledge, which is dismantled throughout this work. Writing based on family experience and shared memory also becomes a technique of self-care, and perhaps of healing in this modern time, through meditation, the return to oneself and the catharsis that the narrative provides to the author and to those who read or observe it. Throughout this journey, otherness is the current that surrounds everything and allows us to move forward, involving dimensions that connect with life off stage and on stage, with real people and fictional characters, with my voice as a niece and as an author, with the gaze of the individual outside the psychiatric illness and the one totally immersed in it. All these layers of the relationship between the self and the other are expressed in the various creative components of the show (libretto, music and staging), revealing that, in short, story and life merge, cohabiting in the same habitat, becoming communal water in the same river.