A pandemia causada pelo SARS-CoV-2 tem implicado o esforco de todas categorias profissionais se posicionarem frente aos seus papeis no lidar com a CoVID-19, reafirmando e mesmo recolocando a potencia de suas contribuicoes diante da complexidade das exigencias postas pelo momento que vivemos. Nesta direcao, a area de terapia ocupacional tem participado de tal processo com diferentes manifestacoes, visando a atencao ao cotidiano dos sujeitos, que, em seus diferentes modos de viver, tem em comum a necessidade de distanciamento social imposto pela transmissao acelerada do virus e pelas debilidades e impossibilidades dos sistemas de vigilância sanitaria e epidemiologica em muitos paises. Nao obstante, consideramos relevante pontuar nossa funcao no âmbito da seguridade social , em consonância as politicas sociais e, especialmente, abordando situacoes sociais que envolvem as importantes diferencas e desigualdades que a maioria das pessoas, grupos e comunidades com quem atuamos vivencia, especialmente no Brasil. A Federacao Mundial de Terapeutas Ocupacionais ( World Federation of Occupational Therapists ) lancou um posicionamento publico sobre a resposta de terapeutas ocupacionais a pandemia de CoVID-19, assinalando o profundo impacto nas vidas, saude e bem-estar dos sujeitos, familias e comunidades ao redor do mundo. Enfatiza o papel dos terapeutas ocupacionais nas atividades diarias dos sujeitos, seus significados e propositos para a vida. Desta forma, ressalta a relevância da producao de estrategias para facilitar o desenvolvimento das “ocupacoes”, em sua linguagem original, com destaque para as adaptacoes para a realizacao das “ocupacoes”, para aspectos do sofrimento psiquico e da saude mental que envolvem essa pandemia, para a divulgacao de tecnologias assistivas e para a viabilizacao de teleatendimentos como um novo formato de trabalho (World Federation of Occupational Therapists, 2020). Tambem nesse sentido, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) regulamentou a teleconsulta, o telemonitoramento e a teleconsultoria por meio da Resolucao no 516, de 20 de marco de 2020, como modalidades possiveis de trabalho, a fim de permitir a continuidade de acoes para alguns grupos populacionais assistidos por terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas (Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, 2020a). Novas modalidades de cuidado (Malfitano & Sakellariou, 2019) tem sido criadas para buscar garantir que nao haja interrupcao do atendimento a grupos especificos. A Associacao Brasileira de Terapeutas Ocupacionais (ABRATO) manifestou sua preocupacao com a defesa de condicoes para a atuacao profissional nesse cenario, bem como assinalando suas contribuicoes e declarando a presenca de terapeutas ocupacionais na linha de frente do combate a pandemia seja no Sistema Unico de Saude (SUS), no sistema privado de saude, no Sistema Unico de Assistencia Social (SUAS), em instituicoes do terceiro setor, em projetos sociossanitarios e, ainda, em projetos culturais e humanitarios (Associacao Brasileira de Terapeutas Ocupacionais, 2020). Com foco especificamente no cotidiano dos sujeitos, a Associacao Australiana de Terapeutas Ocupacionais publicou um guia denominado “Vida normal tem sido interrompida: manejando rupturas causadas pela COVID-19” (Occupational Therapy Australia, 2020), traduzido para o portugues pela Associacao Cultural dos Terapeutas Ocupacionais do Estado do Parana (ACTOEP), sob o titulo “Orientacoes praticas para rotinas saudaveis: aprendendo a lidar com as mudancas de rotina devido ao COVID-19” (Associacao Cultural de Terapeutas Ocupacionais do Estado do Parana, 2020), sistematizando informacoes importantes para a organizacao da vida diaria em termos de produtividade, autocuidado, lazer, ambiente, rotina e o exercicio pessoal de diferentes papeis. O guia indica recomendacoes praticas para a realizacao das atividades diarias no isolamento domestico, juntamente com orientacoes e sugestoes para a manutencao da saude fisica e mental. Considerando o locus prioritario das acoes em terapia ocupacional, ou seja, os cotidianos, as atividades, os fazeres ou as ocupacoes dos sujeitos, alguns materiais direcionados a populacoes especificas tem igualmente sido produzidos, sem o foco na terapia ocupacional, mas com a participacao e/ou colaboracao destes profissionais em sua autoria, voltados a grupos e/ou tematicas com as quais trabalhamos, tais como: saude mental (Universidade Federal de Sao Carlos, 2020a), autismo (Universidade Federal de Sao Carlos, 2020b), ergonomia (Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, 2020b), dentre outros. Assim, demarcando a relevância de todas essas iniciativas e contribuicoes, igualmente pontuamos a necessidade de terapeutas ocupacionais lidarem com a dimensao da desigualdade social, com o alastramento do virus e da doenca em comunidades empobrecidas nas periferias das cidades, por exemplo nas favelas, trazendo grandes desafios para o exercicio do distanciamento social, em si, bem como para a manutencao material da sobrevivencia, ali onde “ha naturalizacao do risco de vida” (Associacao Brasileira de Saude Coletiva, 2020), com a atencao a grupos como pessoas em situacao de rua, migrantes, albergados, detentos e prisioneiros, com alguns efeitos deste processo, como o triste aumento da violencia domestica (Vieira et al., 2020), entre outras inumeras situacoes. E neste contexto que defendemos uma atuacao de terapeutas ocupacionais e de outros profissionais que se paute pela nocao e defesa da seguridade social . A seguridade social e prevista na Constituicao Brasileira, no seu Artigo 194, envolvendo um conjunto integrado de iniciativas para assegurar os direitos relativos a saude, a previdencia e a assistencia social (Brasil, 1988). A relevância deste principio legislativo nacional esta em determinar que apenas por meio da integracao de tais direitos sociais e que se pode contempla-los para a vida social de todos, ou seja, a “Saude” requer acoes da “Previdencia”, garantindo meios para a sobrevivencia, ao menos, dos trabalhadores, independentemente de sua condicao de doenca e/ou velhice, e, igualmente, acoes de “Assistencia Social”, visando a seguranca do acesso aos bens sociais basicos a todos cidadaos. A seguridade social so se realiza por meio de politicas e programas sociais que esses tres setores de acoes e servicos devem garantir o acesso e/ou disponibilizar aos cidadaos. Ainda, e importante destacar a conexao com a “Educacao”, regulamentada por meio do Artigo 205 da Constituicao, que simultaneamente se conecta aos demais direitos e setores, se fazendo possivel nesta integracao, assim como os possibilitando. Portanto, precisamos tambem abordar o papel dos profissionais no SUAS, no Instituto Nacional de Previdencia Social (INSS), no Sistema Prisional ou Sociojuridico, nas escolas, nos diferentes setores de acao territorial e comunitaria, em organizacoes nao governamentais de interesse publico. Mais do que nunca e preciso que usemos nossos espacos, nossas acoes e nossas vozes para problematizar o que vem ocorrendo para o acesso aos beneficios sociais essenciais para a manutencao das vidas de tantos sujeitos e, consequentemente, para a viabilizacao de seus cotidianos. O desafio e fazer valer a centralidade da seguridade social, tambem em seus aspectos da assistencia social como direito da cidadania e dever do Estado e da sociedade, para o que a compreensao sobre as dimensoes sociais em torno do isolamento/distanciamento social (Bezerra et al., 2020) e o engajamento em campanhas/acoes fundadas na solidariedade entre os sujeitos sao requisitos. Tal defesa coaduna-se com o pressuposto de que e por meio dos direitos sociais, pela seguridade social, que poderemos abordar os cotidianos, as atividades, os fazeres, as ocupacoes dos diferentes sujeitos, grupos e comunidades. Assim e que a defesa das politicas publicas sociais, notadamente da saude publica, da previdencia e da assistencia social, compoe os tempos de pandemia que atravessamos e nos lanca para alem da adaptacao e organizacao da vida diaria de todos nos, desafiando terapeutas ocupacionais a tecer relacoes entre contextos, politicas e vidas. Finalizamos na afirmativa que o trabalho em terapia ocupacional, nos cotidianos dos sujeitos, so se concretiza na luta pela vida possivel para todos, em todas as potencias e diferencas que lhes dao significado e fazem diminuir as desigualdades, o que, necessariamente, envolve a defesa da seguridade social e nosso papel profissional nela.