Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós-Graduação em Literatura, Florianópolis, 2015. A nacionalização musical proposta pelo modernismo brasileiro por meio da apropriação erudita de elementos do cancioneiro popular e do folclore implica a identificação com uma musicalidade nacional. A afirmação de uma sensibilidade moderna, pressuposta pela referida identificação, subentende a construção de um sentido e de um sentimento nacional no interior de uma arte caracterizada, segundo uma concepção kantiana, pelo desinteresse e pela ininteligibilidade. Objetivamos compreender, a partir da nacionalização musical proposta por Mário de Andrade, as implicações do conceito de estesia, entendida como os efeitos sobre o corpo produzidos pelo contato com a arte. Em Andrade, a estesia recupera a etimologia de ?aisthesis? contra a sua subordinação ao modelo da representação e da contemplação, evidenciando a sensibilidade e, por conseguinte, o corpo. Como recusa da representação e da contemplação, a estesia designa uma reconciliação da arte com a vida, revelando, ao fim, um interesse eminentemente social. Ao propor um senso de comunidade, Andrade contraria tanto a ontologia nacional sustentada em teorias raciais positivistas, quanto o nacionalismo oficial do Estado Novo. Para tanto, revisamos os caracteres musicais de sua nacionalização musical em contraste com toda uma tradição ocidental, observando como as suas concepções musicais convergem, nos anos 1940, em um teatro cantado coletivo. Café, que representa um complemento para o poeta, permaneceria incompleto, no entanto, uma vez que os compositores Francisco Mignone e Camargo Guarnieri, que se responsabilizaram por sua musicalização, nunca o concluiriam. A tarefa caberia, ironicamente, a H. J. Koellreutter, acusado, desde que aportou no Brasil nos anos 1930, de formalista, sectarista e elitista, por empregar o atonalismo. No contexto de uma disputa de sentido em que as concepções musicais de Andrade serviriam para a legitimação e autorização do nacionalismo musical, de um lado, e o universalismo associado com o decadentismo da burguesia capitalista, de outro, o presente trabalho investiga, por fim, a busca de Koellreutter por uma interlocução com a obra de Andrade, que se consagra com a musicalização, nos anos 1990, do teatro cantado inacabado. Abstract : The musical nationalization proposed by Brazilian modernism through the appropriation of musical elements of popular music and folklore by classical composers implies an identification with national musicality. The affirmation of a modern sensibility, presupposed by such identification, involves the construction of a national sense and sensation through an art considered to be unintelligible and disinterested since Kantian aesthetics. Our goal, regarding Mário de Andrade?s musical nationalization proposal in particular, is to understand the implications of the concept of aesthesis, understood as contact with a work of art and its effects on the body. On Andrade?s work, aesthesis recovers the etymological sense of ?aisthesis?, going against its subordination to the model of representation and contemplation, highlighting the sensitivity and, consequently, the body. When refusal of representation and contemplation, aesthesis also names a reconciliation between art and life, revealing a social interest. Andrade?s musical nationalization therefore proposes a concept of community, contradicting both the national ontology sustained by positivist racial theories as a basis for the national State, and the official nationalism of the state from the Brazilian Revolution of 1930 forward, especially concerning its relation with the body. Therefore, we review the musical characters of Andrade?s nationalization and observe how his musical conceptions converge in Café. Conceived in the 1940s, the opera considered by the author to be his most socialist work and a complement of himself would remain incomplete, since Brazilian composers as Francisco Mignone and Camargo Guarnieri would never musicalize it. Ironically, H. J. Koellreutter, who has been accused of formalist, sectarian and elitist since he arrived in Brazil in the 1930s, would accomplish the task in the 1990s. In the context of a hegemonic dispute in which Andrade?s musical conceptions would serve to legitimize and authorize the musical nationalism discourse, on one hand, and the universalism connected to the decadence of the capitalist bourgeoisie, on the other, we investigate Koellreutter persuit for a dialogue with Andrade?s work, consolidated with his musical composition of Andrade?s opera in the 1990s.