Submitted by Marilene Donadel (marilene.donadel@unioeste.br) on 2022-11-23T17:37:05Z No. of bitstreams: 1 Mariana_Pereira_2022.pdf: 1923737 bytes, checksum: 9760685aa195187f3aaaef556962602e (MD5) Made available in DSpace on 2022-11-23T17:37:05Z (GMT). No. of bitstreams: 1 Mariana_Pereira_2022.pdf: 1923737 bytes, checksum: 9760685aa195187f3aaaef556962602e (MD5) Previous issue date: 2022-09-01 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES The scope of this work is to discuss the constitution of moral personality in the contemporary context in which facts are despised and contested as a criterion of truth. It started from the observation that the denials of historical facts and events – often treated as matters of opinion – are accompanied by the resurgence of manifestations of hatred, violence and intolerance in the public space. In view of this, it was questioned whether the rejection of factuality would compromise the process by which the person formulates moral judgments, relating to the disposition to “do evil”. To answer this question, Hannah Arendt's considerations on the phenomena (i) of the modern political lie, as a systematic and deliberate denial of facts; and (ii) of the banality of evil, as a result of the absence of thought, or lack of reflection; were claimed as theoretical support. The investigation started from the reconstruction of the arendtian interpretation of the historical and intellectual path of the conflict between truth and politics that culminates in the modern attack on factual truths. Then, we sought to carry out the analysis of the concept of political lie, presenting it, at first, as a strictly political problem, insofar as it aims at the destruction of shared reality - composed, precisely, by a web of facts and events, that links human beings to each other. It was conjectured, however, that the political approach, focusing only on the dimension of human life of coexistence with others, would not be able to exhaust the subject in all its seriousness and extension. Arendt emphasized that in the realm of politics, where secrecy and deliberate falsehood have always played an important role, the quintessential danger is self-deception – in which case the liar becomes a victim of their lies. What the possibility of self-deception highlights is the relationship that the human being establishes with himself, something that, in her view, concerns morality. Nevertheless, Arendt also maintained that moral affronts are powerless to deal with political lies. In this sense, an obstacle to the development of this work was presented, which could only be overcome in the third chapter, dedicated to the discussion of the relationship between morals and politics. It was argued that it would be possible to find, within arendtian theory, elements that point to a kind of political morality, whose central category would be the common world and in which the relationship with oneself and the relationship with others would be interdependent. Since Arendt never actually wrote a book or an essay on political morality, this research had to go through a wide range of texts by the author to identify her, which allowed her to recognize political morality as a type of “moral concern” that permeates the entire set of Arendt's work. Furthermore, the result was the realization that contempt for the facts is what makes fruitful the appearance of what Arendt called extreme and unlimited evil, which takes the form of banality. Appreciated in the light of arendtian political morality, the political lie was revealed, therefore, as a problem, in addition to being political, moral, whose confrontation requires the reconciliation of thought with reality. O escopo deste trabalho é discutir a constituição da personalidade moral no contexto contemporâneo em que os fatos são desprezados e contestados como critério de verdade. Partiu-se da observação de que as negações de fatos e eventos históricos – amiúde tratadas como questões de opinião – são acompanhadas pelo recrudescimento de manifestações de ódio, violência e intolerância no espaço público. Questionou-se, diante disso, se a rejeição à fatualidade comprometeria o processo pelo qual a pessoa formula juízos morais, relacionando-se à disposição a “fazer o mal”. Para responder a tal pergunta, reivindicou-se, como suporte teórico, as considerações de Hannah Arendt sobre os fenômenos (i) da mentira política moderna, enquanto negação sistemática e deliberada dos fatos; e (ii) da banalidade do mal, como decorrência da ausência de pensamento, ou falta de reflexão. A investigação partiu da reconstrução da interpretação arendtiana do percurso histórico e intelectual do conflito entre verdade e política que culmina no moderno ataque às verdades fatuais. Em seguida, buscou-se realizar a análise do conceito de mentira política, apresentando-o, a princípio, como um problema estritamente político, na medida em que visa à destruição da realidade compartilhada – composta, justamente, por uma teia de fatos e eventos que vincula os seres humanos uns aos outros. Conjecturou-se, no entanto, que a abordagem política, focando apenas a dimensão da vida humana da convivência com os outros, não seria capaz de esgotar o assunto em toda a sua seriedade e extensão. Arendt enfatizou que, no domínio da política, onde sigilo e falsidade deliberada sempre tiveram um papel importante, o perigo por excelência é o autoengano – caso em que o mentiroso se torna uma vítima das suas mentiras. O que a possibilidade do autoengano coloca em evidência é o relacionamento que o ser humano estabelece consigo mesmo, algo que, a seu ver, diz respeito à moral. Não obstante, Arendt também sustentou que as afrontas morais são impotentes para lidar com mentiras políticas. Apresentou-se, nesse sentido, um obstáculo ao desenvolvimento deste trabalho, o qual só pôde ser superado no terceiro capítulo, dedicado à discussão da relação entre moral e política. Argumentou-se que seria possível encontrar, dentro da teoria arendtiana, elementos que apontam para uma espécie de moral política, cuja categoria central seria o mundo comum e na qual o relacionamento consigo mesmo e o relacionamento com os outros seriam interdependentes. Como, efetivamente, Arendt nunca chegou a escrever um livro ou um ensaio sobre a moral política, esta pesquisa teve de percorrer um amplo recorte de textos da autora para identificá-la, o que permitiu reconhecer a moral política como um tipo de “preocupação moral” que permeia todo o conjunto da obra de Arendt. Ademais, obteve-se como resultado a constatação de que o desprezo pelos fatos é o que torna profícuo o aparecimento daquilo que Arendt chamou de mal extremo e ilimitado, o qual assume a forma da banalidade. Apreciada à luz da moral política arendtiana, a mentira política se revelou, portanto, como um problema, além de político, moral. Um problema cujo enfrentamento exige a reconciliação do pensamento com a fatualidade.