O livro VIII da República platônica seria, segundo a leitura tradicional, um pequeno tratado sobre as formas fundamentais de governo da polis clássica cujos vários paradigmas constitucionais – nomeadamente: timocracia, oligarquia, democracia, tirania- fariam parte dum grande modelo circular e cíclico em que cada politeia provém da outra por causa de um processo de degradação. A nossa leitura é diferente: neste artigo tentamos mostrar que o chamado “modelo circular e cíclico” é, no seu conjunto, a mesma e única máscara da democracia histórica ateniense entre o V e o IV séc. a. C. Na nossa opinião, o interesse de Platão é remodelar a história política da democracia sob forma de “saga familiar”, cujos protagonistas são os pais e os filhos da elite democrática que liderou a cidade desde o início da Guerra do Peloponeso até o final do século V. Nesta tentativa, o filósofo pôde aproveitar a exemplar lição do teatro trágico e cômico, e em particular a das Nuvens de Aristófanes e a do Édipo rei de Sófocles.