A preocupação com o modo como o inconsciente irrompe na cena do cotidiano foi uma constante na obra de Sigmund Freud. Desse modo, um dos temas mais caros para o criador da psicanálise foi a questão do ato falho. No que diz respeito a esse conceito, nos reportaremos a alguns textos no qual ele aparece de forma central, como em “Os atos falhos”, uma das conferências introdutórias de psicanálise proferidas entre 1915, 1916 e 1917 e no texto “ As sutilezas de um ato falho”, escrito de 1935. Sendo assim, busco entender como, embora o ato falho carregue uma aparente conotação negativa, a partir do campo semântico no qual a noção de falha se inscreve, ele é, ao contrário, um elemento positivo na medida em que dá notícias da vida psíquica do indivíduo, permitindo que a partir do momento do lapso se propicie um maior entendimento sobre a articulação do inconsciente. Tomando por base essa consideração, a intenção deste artigo é estabelecer uma conexão entre psicanálise e arte contemporânea no que concerne ao modo como as obras de arte começaram a se constituir a partir do século XX: não como criações bem sucedidas por parte de um artista, mas sim como algo que engendra conceitos como fracasso, falha, perda ou abandono. Assim, Duchamp é o primeiro a lançar mão desses aspectos negativos revirando-os e fazendo deles o motor da sua práxis artística. A partir do artista francês, veremos como em torno da arte contemporânea orbita um campo da negatividade que, através da prática psicanalítica, pode ser, na verdade, pensado enquanto positividade. Tomarei como ponto de partida nesta investigação o readymade Armadilha ( Trébuchet, 1917), que consiste em um porta-casaco pregado no chão do ateliê do artista. O que nos interessa aqui não é a materialidade da obra, mas o fato de Duchamp, ao se ver tropeçando seguidas vezes no objeto que estava disposto sob o assoalho, ter resolvido pregá-lo definitivamente no local, alçando-o, com esse único gesto, à condição de obra de arte e o denominando-o enquanto readymade. Não por acaso, o tropeço do artista evoca a ideia de repetição em psicanálise. Desse modo, o presente texto traz essa obra como referência fundamental e cruza o pensamento de Freud com o do filósofo italiano Giorgio Agamben, propondo entender a arte contemporânea como um meio que assume a possibilidade da derrota ou do malogro, inscrevendo-os no cerne dos processos artísticos. Em um mundo que submete os indivíduos a darem provas de sucesso e produtividade a todo tempo, refletir sobre como a falha é estrutural para forjar nosso estatuto de sujeito pode ser uma promessa de encontrarmos uma via reconciliadora com nossa própria existência, um solo no qual a arte sempre teve um papel basilar.